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PSOL: da rebeldia à conciliação — a entrada de Boulos no governo Lula e o fim de um ciclo

Atualizado: 3 de nov.

Por Douglas Diniz – Jornalista, Membro do Diretório Nacional do PSOL e da Direção Nacional da Tendência Revolução Socialista (RS/LIS) e Silvia Leticia Luz, Professora, Direção Estadual do PSOL/PA, ex. Vereadora de Belém

 

A entrada de Boulos e o abandono da independência de classe

 

A entrada do deputado federal Guilherme Boulos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT/Frente Ampla) marca o início de uma nova etapa na história do PSOL — uma etapa que simboliza o abandono definitivo do projeto de independência de classe que deu origem ao partido.

 

A decisão vem na esteira da reformulação programática aprovada quase por unanimidade pelo Diretório Nacional do PSOL, no fim de setembro, em São Paulo. Ali consolidou-se o projeto político da corrente Primavera Socialista, liderada por Edmilson Rodrigues e Ivan Valente, e também da Revolução Solidária, à qual pertence Guilherme Boulos. Ambas as organizações há anos trabalham para tornar o partido parte orgânica da Frente Ampla lulista.

 

Do radicalismo popular à integração no regime 


O PSOL, criado em 2004 como alternativa de esquerda radical ao petismo domesticado, nasceu das lutas contra a reforma da Previdência de Lula e contra a conciliação de classes que marcou os governos petistas. Hoje, ironicamente, entra no governo que antes combatia.

 

A metamorfose lembra a trajetória do Podemos espanhol, liderado pelo professor universitário Pablo Iglesias, que surgiu das praças insurgentes da Puerta del Sol e terminou abraçado ao sistema político que dizia enfrentar.

 

Assim como o Podemos, o PSOL caminha para o mesmo destino: um partido capturado pelo discurso da governabilidade, das alianças com empresários e banqueiros, e pela crença ilusória de que é possível conciliar os interesses da classe trabalhadora com os interesses dos ricos e poderosos.


É o fim do partido que afirmava lutar contra a velha política.

 

Traição programática e derrota política 


A decisão de Boulos de aceitar um ministério no governo Lula é o resultado direto da mudança programática promovida pela direção majoritária do partido. Com isso, o PSOL abandona seu papel de oposição de esquerda e se transforma em satélite da ordem. 


As correntes internas críticas, como o Movimento de Esquerda Socialista (MÊS), da ex-deputada federal Luciana Genro, têm dificuldade em justificar às suas bases a concordância passiva com esse movimento.


As mudanças aprovadas pelo campo majoritário abriram caminho para a integração de Boulos ao governo, sem resistência organizada da base partidária — resistência que o MÊS, como corrente política, poderia ter liderado.

 

Além da perda de independência política, o gesto enfraquece o PSOL eleitoralmente: ao abrir mão da reeleição, Boulos compromete a superação da cláusula de barreira, o que ameaça a sobrevivência institucional do partido e, junto com ela, o acesso ao volumoso fundo eleitoral — recurso que tem financiado as barbaridades políticas patrocinadas pela direção majoritária em todas as eleições.

 

Desde que esse fundo foi instituído e o PSOL o escolheu como principal fonte de financiamento político, muita coisa mudou.


Os encontros, congressos e seminários partidários — antes construídos pela militância orgânica — foram transformados em reuniões de arrivistas políticos, preocupados apenas com as milionárias faixas de distribuição do fundo eleitoral, desprezando a luta política contra o regime e o sistema.


Assim, o PSOL deixou de ser referência nacional para os setores excluídos da classe trabalhadora esclarecida e organizada.

 

No plano simbólico, a nomeação de Boulos representa mais uma vitrine pessoal do que um avanço coletivo.


A entrada no governo servirá apenas para enriquecer currículos com o selo de “ministro de Lula” — uma vaidade que a história cobrará, como já cobrou do Podemos (Espanha), do Syriza (Grécia) e do Bloco de Esquerda (Portugal), partidos que romperam com suas origens populares e acabaram convertidos em gestores da ordem capitalista.

 

Da oposição de esquerda à base da Frente Ampla 


O PSOL de hoje, ao integrar organicamente o governo Lula, torna-se parte de um projeto que aplica o Arcabouço Fiscal, tolera o Orçamento Secreto e silencia diante do PL da Devastação, da privatização dos rios amazônicos e da exploração de petróleo na margem equatorial. Será parte orgânica de um projeto que mantém religiosamente o pagamento da dívida pública aos banqueiros em detrimento de atender as necessidades da população pobre e trabalhadora que luta e se mobiliza cotidianamente por melhores condições de vida.


Tornou-se, assim, parte funcional do projeto neoliberal, reembalado em discurso progressista.

 

No Pará, o prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL) seguiu o mesmo caminho ao governar em aliança com o clã Barbalho e com partidos que sustentaram o governo Bolsonaro no Congresso Nacional — uma contradição que evidencia a degeneração política do campo majoritário psolista, responsável direto por organizar a maior derrota eleitoral já sofrida pelo partido.

 

A hora da definição: resistir, romper ou reconstruir

 

Diante desse cenário, a tendência Revolução Socialista — que integra o núcleo fundacional e foi decisiva para a legalização do PSOL — anuncia que reunirá sua militância nacionalmente para debater o futuro do projeto psolista no Brasil.

 

As alternativas estão colocadas sobre a mesa:

 

  • Romper com a direção domesticada e renunciar aos cargos de direção partidária;

  • Organizar a resistência interna para disputar o próximo Congresso Nacional do PSOL, em 2026;

  • Ou iniciar a construção de uma nova organização política realmente socialista, com todas as forças que queiram reconstruir um projeto radical de esquerda, que não use o termo “socialista” apenas em discursos e festividades.

 

O tempo e a luta dirão o caminho.


Mas uma coisa é certa: o PSOL da rebeldia e da independência de classe ficou para trás.


O partido que nasceu para enfrentar o poder agora se acomoda sob as asas do poder.

 

E a história, como sempre, não perdoa os que traem os sonhos pelos quais o povo um dia marchou.

 

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