Nós Não Vamos Morrer: nas ruas contra os femini( e trans )cídios
- Revolução Socialista
- há 4 dias
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Por Emanuelle Nascimento, Maximiliano Michelini e Rafael Pereira.
Nos primeiros dias de dezembro, nós mulheres e identidades feminizadas de todo o Brasil rompemos o medo, o silêncio e o cansaço estrutural para ocupar as ruas com um grito que segue ecoando: “Nos queremos todas vivas!”.
Só numa semana, quatro mulheres foram assassinadas ou violentadas com grande repercussão, algumas arrastadas, agredidas, mutiladas por homens que, diante da sociedade, ainda encenam justificativas, desculpas e argumentos que tentam transformar os femini( e trans )cídios em acidente, crime passional ou resposta à provocação.
Femini( e trans )cídios não é erro de português ou trans-gressão à "norma padrão e às regras gramaticais consolidadas" (Lei 15.263/2025), é ferramenta política para quebrar o olhar e mostrar que a violência contra todas as identidades feminizadas (cis, trans, não-binárias) é uma violência única, estrutural e produzida pelo mesmo patriarcado e que, como destaca Berenice Bento, travestis e mulheres trans sofrem violências letais semelhantes às mulheres cis, mas agravadas pela transfobia.
Quem mata não é o feminismo; é o machismo, que opera como expressão de um capitalismo cis-heteropatriarcal decadente, como define Sueli Carneiro, um “sistema de produção de desigualdades”. A cada 24 horas, 4 novos feminicídios acontecem no Brasil e pra isso lembramos de Lélia Gonzalez, quando escreve que o patriarcado no nosso país é “racista, classista e profundamente colonizador” e que, por isso, mata com eficiência simbólica e física as vidas das mulheres, sobretudo as negras, que seguem sendo as mais vulnerabilizadas, silenciadas e esquecidas pelo estado burguês.

Em Curitiba, Belém, São Paulo, Brasília e outras dezenas de cidades do país, tornamos as ruas em território de memória e denúncia. Estivemos presentes, em unidade, junto com coletivos e organizações feministas. A partir dos relatos de familiares de mulheres vítimas de feminicídio, cortamos a cidade como uma ferida aberta: vozes trêmulas, mãos apertadas, fotos erguidas. Eram mães, irmãs, amigas, colegas. Eram nomes que não deveriam estar sendo lembrados em cartazes, mas vivos, circulando, trabalhando, amando, produzindo suas próprias histórias. Parem de nos matar!
O ato se transformou em ritual político e para isso formamos uma corrente de mulheres atravessando o asfalto, como ponte viva entre a luta e o futuro. A cidade precisou parar para nos olhar. Houve carros que tentaram avançar, buzinas ameaçadoras, homens gritando de dentro dos veículos talvez incomodados por ver mulheres ocupando o espaço público de maneira tão firme, tão conectada, tão política. Mas não recuamos, pelo contrário, fortalecemos a corrente. Aquela cena sintetiza tudo que Angela Davis nos ensinou:
“Quando uma mulher se levanta, nenhuma outra fica para trás”
E é por isso que o feminismo que defendemos não é o dessensibilizado, higienizado, neutro. Pelo contrário, é o feminismo que reconhece que a cada duas horas uma mulher é estuprada; que a violência começa muito antes da morte, iniciada nos algoritmos, na desigualdade salarial entre homens e mulheres, nas cenas de assédio no transporte público; nas casas, nas igrejas, nos hospitais, na fila de emprego, no desinteresse estatal.
Nesse sentido, queremos colocar as cartas na mesa em relação à Lei Nº 15.280 sancionada no dia 8/12, que endurece as penas para crimes cometidos contra a dignidade sexual de pessoas em situação de vulnerabilidade: reconhecemos essa iniciativa como uma conquista parcial da luta dos feminismos e como uma resposta urgente diante da gravidade do cenário atual. No entanto, alertamos que o simples endurecimento penal, se tratado de forma isolada, é insuficiente e não enfrenta as causas estruturais da violência. Essa medida só faria sentido se integrada a um projeto amplo e consistente de políticas públicas sob controle das organizações feministas, para pôr um freio real ao avanço dos (trans)feminicídios no país, indo muito além de ações pontuais ou meramente punitivistas.
Diante desse cenário, seguimos organizadas e nas ruas exigindo a declaração da emergência em violência de gênero como um primeiro passo importante e necessário pra seguir na luta por todos os outros direitos que há séculos nos foram negados:
Proteção integral e reparação às sobreviventes
Assistência jurídica gratuita e cobertura total dos custos legais.
Apoio social de longo prazo, financiado pelo Estado.
Licenças remuneradas e renda mínima indexada à inflação para sobreviventes da violência.
Monitoramento eletrônico de condenados por crimes contra a dignidade sexual e contra as mulheres, com plena participação e controle social das organizações de mulheres e das dissidências.
Pensão vitalícia e automática para filhas e filhos que ficaram órfãos em decorrência de feminicídios, garantida pelo Estado, com cobertura integral de suas necessidades básicas, educacionais e de saúde.
Reparação integral às famílias, redes afetivas e comunidades de vítimas de feminicídios e transfeminicídios, com reconhecimento de vínculos não normativos e redes escolhidas, respeitando a identidade de gênero das vítimas.
Medidas imediatas e transformadoras frente aos agressores
Afastamento imediato dos homens violentos do lar.
Ampliação de programas públicos de reabilitação para agressores.
Combate à violência e acesso efetivo à justiça
Fim da obstrução das denúncias.
Substituição de comissões policiais por investigações supervisionadas por comitês sindicais e representantes das sobreviventes, com pleno acesso aos recursos policiais.
Proibição de interrogatórios que culpabilizam as vítimas por sua vestimenta ou comportamento.
Infraestrutura de atendimento e autonomia das mulheres
Financiamento de centros de atendimento à violência e abrigos para mulheres e dissidências em situação de violência.
Gestão independente desses espaços pelas próprias mulheres, sem participação de entidades religiosas.
Reintegração social e laboral
Garantia de financiamento para a reintegração social e a inserção laboral das sobreviventes.
Autonomia corporal, saúde e direitos reprodutivos
Aborto legal, seguro, gratuito, voluntário e garantido pelo SUS.
Saúde sexual e reprodutiva universal, com perspectiva de gênero e diversidade sexual.
Educação como política central de prevenção
Educação Sexual Integral, científica e sem interferência clerical.
Educação integral sobre gênero, sexualidade, consentimento e direitos das pessoas com deficiência.
Separação entre Igrejas e Estado
Abolição de todo financiamento estatal a organizações religiosas, em quaisquer de suas formas.
Garantia de políticas públicas laicas, baseadas em evidências científicas e nos direitos humanos.
Rosa Luxemburgo dizia ser a essência da luta revolucionária: a capacidade de transformar sofrimento em energia histórica.
Para ela, não existe emancipação verdadeira sem que as oprimidas assumam protagonismo. E naquele dia nós assumimos. A mobilização nas ruas mostrou que, diante de um sistema que naturaliza a morte das mulheres, a resistência precisa ser permanente, organizada e radical. Porque, como diria Rosa, “quem não se indigna, não se transforma” e nós seguimos nos transformando para garantir que nenhuma mulher seja deixada para morrer.









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