Amazônia à venda: governo Lula avança com privatização de rios, dá sinal verde para construção de hidrovias e ignora alertas dos povos da floresta
- Comunicação RS
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Por Douglas Diniz - Jornalista, membro da Direção da Revolução Socialista (RS) e da Liga Internacional Socialista (LIS), Coordenador do Portal Info.Revolução
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT/Frente Ampla) avança, em um movimento ofensivo e estratégico, com a privatização de rios da Amazônia e autorização para construção de três das mais importantes hidrovias da região.
O Decreto nº 12.600, publicado na última sexta-feira (29/08), que inclui os rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND), é classificado por movimentos sociais e ambientalistas como uma "entrega de patrimônio natural" ao agronegócio e à mineração.
A promessa de modernização logística, nada mais é do que ter como prioridade o lucro à frente da vida e da integridade da floresta.
A lógica do capitalismo verde
A decisão, justificada pelo governo como um passo para a "eficiência, segurança e competitividade", é um roteiro conhecido para atrair o capital privado, especialmente para o escoamento de grãos no chamado Arco Norte.
O Ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa, que faz parte do partido bolsonarista Republicanos, afirmou que as “concessões” podem reduzir os custos logísticos em até 40% e diminuir a emissão de gases poluentes, com a substituição de 500 caminhões por 25 barcaças.
Essa lógica de “capitalismo verde" esconde um impacto destrutivo: a intensificação de atividades que já são as principais vetoras de desmatamento e conflitos na Amazônia.
O Decreto nº 12.600 assinado pelo presidente Lula faz parte do Projeto IIRSA/COSIPLAN (Comitê de Planejamento de Infraestruturas Sul-Americanas), um órgão da UNASUL. A iniciativa busca articular planos estratégicos para modernizar a infraestrutura na América do Sul, com o objetivo de fortalecer a integração e a conectividade digital e tecnológica.
A medida tem o objetivo de construir uma nova rota de comércio estratégica para o escoamento da produção do agronegócio e da mineração para a Ásia e Europa.
O decreto do governo abrange os seguintes trechos:

Hidrovia do Rio Madeira: 1.075 km entre Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM).
Hidrovia do Rio Tocantins: 1.731 km ligando Belém (PA) a Peixe (TO).
Hidrovia do Rio Tapajós: 250 km entre Itaituba e Santarém (PA).
O Tapajós, a linha de frente de um desastre anunciado
O trecho da Hidrovia do Tapajós é o epicentro do perigo. Ele corta uma bacia hidrográfica vital, território ancestral de dezenas de povos indígenas, como os Munduruku, além de comunidades de Beiradeiros, que vivem nas margens do Rio.
A privatização dos rios e da navegação, alertam especialistas e ativistas ambientais, não se trata apenas de dragar rios e instalar sinalização, mas de abrir uma nova e larga via para o avanço desenfreado da mineração ilegal e do desmatamento.
Entregar o controle de um rio estratégico para a iniciativa privada é, na prática, dar carta branca para a exploração de um dos ecossistemas mais sensíveis e biodiversos do planeta.
A líder indígena Alessandra Korap Munduruku não esconde sua indignação em um vídeo publicado em sua rede social: “Essa hidrovia não é para a gente, é para a soja, para as grandes transportadoras mundiais, essas empresas mundiais, esses países desenvolvidos. Que desenvolvimento é esse, sem a participação dos ribeirinhos, dos pescadores, dos indígenas? Que desenvolvimento é esse que vai matar a mãe dos peixes? A COP 30 está chegando, mas a gente já percebe os grandes acordos que estão acontecendo agora com as grandes empresas. A gente está sendo ameaçado por todos os lados. Uma Ferrogrão, uma hidrovia, as mineradoras, o petróleo. Querem mais o quê? Qual a morte vocês querem fazer com a gente, presidente [Lula] e governador [Helder Barbalho]? Já basta a espionagem que está acontecendo com a gente. Já basta a morte que está acontecendo com a gente”.
O ecossistema amazônico e o grito do povo Munduruku contra usinas hidrelétricas
O Rio Tapajós, o último grande rio da Amazônia livre de barragens, está na mira faz pelo menos uma década de um ambicioso plano do governo federal para a construção de cinco usinas hidrelétricas.
O projeto, que visa transformar o rio em uma hidrovia para o escoamento do agronegócio e mineração, ameaça não apenas um ecossistema único, mas a própria existência do povo indígena Munduruku, que vive há séculos em suas margens.
1. O Megaempreendimento e a Terra Sagrada
A peça central deste complexo é a Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que, se construída, será a terceira maior do país, com um orçamento de R$ 30 bilhões.
A construção dessa usina está judicialmente condicionada, assim como seus estudos técnicos e de impactos ambientais a Consulta Livre, Prévia e Informada do povo Munduruku (Convenção 169 da OIT).
Caso o governo manobre, como fez na construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, e o projeto seja liberado — o que é o mais provável —, ele prevê o alagamento de 722 km², uma área que atinge em cheio a Terra Indígena Sawré Muybu.
Para os Munduruku, a usina não é apenas uma ameaça material, mas uma afronta espiritual, pois alagará locais sagrados e inviabilizará a vida em seu território, uma verdadeira "terra-mãe" que abastece outras aldeias da região.
2. A Batalha legal e a falha do Estado
Relatório ocultado: A Fundação Nacional dos Povos indígenas (Funai) concluiu em 2013 um relatório que reconhecia a Terra Indígena Sawré Muybu como de ocupação histórica Munduruku. No entanto, o estudo ficou engavetado por anos e só se tornou público após um vazamento, em uma clara manobra para favorecer os planos do governo.
Ação na Justiça: O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma Ação Civil Pública para obrigar a Funai e a União a publicarem o relatório e darem prosseguimento à demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu fato que ocorreu somente em setembro de 2024.
3. Autodemarcação: a resposta Munduruku
Diante da inércia do governo e sem a demarcação oficial de seus território e diante da crescente ameaça, os Munduruku, um povo conhecido por sua história de luta, decidiram agir por conta própria. Eles iniciaram a autodemarcação como forma de demarcar e vigiar suas terras, enfrentando as atividades ilegais de madeireiros e garimpeiros que já destroem a região.
4. Impactos ambientais e precedentes devastadores
Efeitos irreversíveis: a construção das barragens mudará drasticamente o comportamento do rio, afetando o nível da água e as rotas migratórias dos peixes. Ecossistemas únicos que fornecem alimentos e recursos essenciais para os Munduruku, desaparecerão.
Biodiversidade em risco: espécies como peixes-boi, tartarugas, jacarés e botos-cor-de-rosa serão diretamente impactadas, ameaçando a rica biodiversidade do Tapajós.
A privatização do Rio Tapajós é mais do que um projeto de infraestrutura; é um projeto de negação de direitos, que ignora a história e a cultura de um povo em favor de interesses econômicos de uma matriz de transporte falida e predatória.
A luta dos Munduruku pela demarcação e preservação do seu território é, na verdade, uma luta pela sobrevivência da própria Amazônia.
Um ciclo de promessas e retrocessos
A promessa de um modelo de “desenvolvimento sustentável” alardeado pelos “capitalistas verdes”, e ecologistas do sistema e de boa parte da esquerda brasileira, que marcou o início do terceiro mandato de Lula, choca-se com a realidade de projetos que, no fundo, seguem uma lógica de exploração predatória.
A privatização/concessão do Rio Madeira, que deve ter seu edital lançado em 2026, prevê um contrato de 12 anos e um investimento de R$ 109 milhões.
Mas, como no caso da Hidrovia do Tocantins, que já teve a licença de derrocamento do Pedral do Lourenço suspensa pela Justiça Federal, os entraves jurídicos e ambientais revelam que a “modernização” não será tão simples quanto o governo sugere.
Imagens: (1) Gráfico Arco Norte; (2) Pedral do Lourenço/Rio Tocantins/Marabá-PA; (3) Portos do Projeto IIRSA/COSIPLAN na Amazônia (CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIAR)
As promessas de eficiência e redução de custos, tão propagadas em eventos em São Paulo, parecem estar a anos-luz da realidade de quem vive e protege os rios da Amazônia.
No final das contas, o decreto das hidrovias questiona de fato o real compromisso do governo Lula com a causa ambiental.
A privatização desses rios é mais do que um ato econômico; é um atestado de que, na balança entre o avanço do agronegócio e a proteção da população de Beradeiros, Ribeirinha e dos povos da floresta, a escolha do governo já está feita.
A COP 30, que será realizada em Belém, no Pará, Amazônia brasileira, entre 10 e 21 de novembro de 2025, é o espaço que o chamado "capitalismo verde" usará para tentar impor a narrativa: de que é possível desenvolver a Amazônia, preservar suas riquezas, manter a floresta em pé com respeito a seus povos. Essa é uma grande mentira. Basta traçar a linha do tempo dos últimos 50 anos para chegarmos à conclusão do "rastro de saque" e devastação deixado por todos os governos brasileiros, submissos de todos os governos imperialistas sem qualquer exceção. Antes somente o imperialismo americano, agora a vez do imperialismo capitalista chinês, o maior financiador dos atuais megaprojetos na região.
Na COP 30, as populações originárias e tradicionais, ribeirinhos e pequenos agricultores estarão na linha de frente contra a destruição capitalista do meio ambiente e pela preservação da floresta.
Nós, da Liga Internacional Socialista (LIS) e da Revolução Socialista, sua seção no Brasil, nos somamos a essa luta ecossocialista. Nossa militância participará ativamente de todas as mobilizações que defenderem um projeto que de fato preserve o meio ambiente. Um projeto que respeite os saberes ancestrais de quem há séculos defende a Amazônia como um dos biomas mais importantes do mundo.
Defenderemos uma reforma agraria agroecológica, baseada na agricultura familiar, em oposição à monocultura. Lutaremos por um projeto energético que preserve os rios, não seja fóssil e não poluente, e pela demarcação contínua de todos os territórios indígenas contra o garimpo e os madeireiros. Assim, proporemos em todos os momentos e de forma permanente a construção de uma alternativa política, ecossocialista e revolucionária que unifique todos que, de forma coerente, queiram defender o planeta.
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