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Corrida global por Terras Raras: China pressiona Trump, e Amazônia vira novo campo de disputa geopolítica


 

Pequim restringe exportações de minerais estratégicos e expõe vulnerabilidade dos EUA; Brasil entra na mira da nova guerra fria verde

 

O anúncio burocrático “Nº 62/2025” do Ministério do Comércio da China, divulgado em 9 de outubro, sacudiu os alicerces da economia global. Sob o pretexto técnico de “controle de exportações”, Pequim impôs restrições severas ao comércio de terras raras — grupo de 17 elementos químicos cruciais para a indústria tecnológica e bélica. O gesto foi interpretado por analistas como um golpe calculado no coração da política industrial americana — e um lembrete de que, mesmo em tempos de “guerra fria digital”, a dependência mineral continua sendo o elo mais frágil das potências.

 

As terras raras, essenciais para produzir smartphones, carros elétricos, turbinas eólicas, satélites e caças furtivos F-35, têm peso econômico reduzido, mas valor geopolítico gigantesco. A China domina quase 70% da produção e controla o refino de 90% dos óxidos minerais — o ponto mais sensível da cadeia. Com as novas regras, empresas estrangeiras só poderão exportar produtos que contenham terras raras mediante autorização do governo chinês, devendo informar o uso final dos materiais.

 

“A China apontou uma bazuca para as cadeias de suprimentos e para a base industrial do mundo livre”, reagiu o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, à BBC News em 7 de outubro. “Eles sabem exatamente onde está o ponto fraco de Trump.”

 

Disputa de titãs reacende guerra comercial


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O gesto chinês encerrou meses de aparente trégua com Washington. Desde maio, quando Donald Trump e Xi Jinping acordaram uma pausa tarifária, os dois países vinham tentando conter os danos de uma guerra que já custou bilhões em tarifas mútuas. Mas o endurecimento sobre as terras raras reacende a tensão e coloca em xeque os planos de reindustrialização de Trump, que prometera “trazer de volta as fábricas americanas”.

 

Para especialistas como Naoise McDonagh, da Universidade Edith Cowan, o movimento foi “cirúrgico”: “Pequim escolheu o momento ideal. Eles sabem que os EUA não têm capacidade imediata de substituição. Levará pelo menos cinco anos para que os americanos consigam alcançar o nível chinês de refino.”

 

A professora Marina Zhang, da Universidade de Tecnologia de Sydney, reforça: “A China construiu uma vantagem estrutural — investiu em conhecimento, tecnologia e infraestrutura. Nenhum país ocidental tem hoje condições de competir em escala industrial.”

 

Brasil entra no tabuleiro com 23% das reservas globais


No tabuleiro dessa guerra mineral, o Brasil desponta como peça-chave. Relatórios do Serviço Geológico do Brasil (SGB) e da Agência Nacional de Mineração (ANM) apontam que o país abriga cerca de 23% das reservas conhecidas de terras raras do planeta — boa parte delas concentradas em Minas Gerais, Goiás, Bahia e Amazonas.

 

Apesar do potencial, a produção nacional ainda representa menos de 1% do total global. O gargalo, explicam especialistas, está no refino químico — etapa que exige alto investimento, tecnologia avançada e rigor ambiental.

 

Segundo Sidney Ribeiro, pesquisador da Unesp: “O Brasil tem competência científica, mas falta política industrial. O desafio é transformar o potencial em soberania tecnológica — sem repetir o modelo predatório que destruiu florestas e comunidades.”

 

Amazônia: novo epicentro da disputa 

O estado do Amazonas, segundo documentos do próprio governo estadual, é hoje o segundo maior detentor de reservas identificadas de terras raras no Brasil, atrás apenas de Minas Gerais.

Dois locais se destacam:

 

  • Mina de Pitinga, em Presidente Figueiredo — operada pela Mineração Taboca, adquirida em 2024 pela chinesa China Nonferrous Trade (CNT);

  • Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira — uma das maiores jazidas conhecidas do país, localizada em território indígena e sobreposta a áreas de proteção ambiental.

 

Essas regiões abrigam minerais de altíssimo valor estratégico — como neodímio, praseodímio, térbio e disprósio, usados em motores elétricos, radares e armamentos. Mas também concentram urânio e tório, substâncias radioativas que tornam o processo de extração perigoso e ambientalmente sensível.

 

O secretário de Mineração e Energia do Amazonas, Ronney Peixoto, resume o dilema: “A mina de Pitinga tem três milhões de toneladas de rejeitos com até 1% de terras raras. É uma oportunidade bilionária, mas que exige controle rigoroso.”

 

Mineração avança sobre florestas protegidas

 

Um levantamento da Repórter Brasil, em parceria com o Pulitzer Center, identificou 2,9 mil pedidos ativos de exploração de terras raras no país, 82% deles protocolados a partir de 2022.

 

Na Amazônia Legal, 157 requerimentos estão dentro ou a menos de 10 km de áreas protegidas, incluindo terras indígenas e comunidades quilombolas.


Entre as mais afetadas estão:

 

  • Floresta Estadual do Amapá — 57 pedidos;

  • Parque Nacional Montanhas do Tucumaque — 12 pedidos;

  • Quilombo Kalunga do Mimoso (TO) — 6 pedidos.

 

“Sob o discurso de inovação e energia limpa, estamos vendo uma nova corrida do ouro verde”, alerta Fábio Ishisaki, do Observatório do Clima. “Essa mineração pode gerar uma onda de desastres e conflitos socioambientais sem precedentes.”

Embora a legislação brasileira não proíba mineração a menos de 10 km de áreas protegidas, especialistas lembram que os impactos indiretos — como poluição de rios e expulsão de comunidades — raramente são contabilizados nos licenciamentos.

 

Ambientalistas denunciam “colonialismo verde”

 

Para a socióloga Elisangela Soldateli, da Fundação Rosa Luxemburgo, o discurso da transição energética tem sido usado como nova roupagem para o velho extrativismo: “Os países do Sul Global continuam fornecendo matéria-prima suja para sustentar o consumo limpo do Norte. Chamam de energia verde, mas o preço é pago com rios contaminados e povos desalojados.”

 

Estudos da USP e da Universidade de Graz (Áustria) indicam que a mineração voltada à transição energética ameaça 178 mil indígenas e 17 mil quilombolas na Amazônia Legal. As terras Yanomami, Alto Rio Negro e Balaio estão entre as mais pressionadas.

 

O discurso do desenvolvimento e as brechas da lei

 

A nova Lei de Licenciamento Ambiental, aprovada em 2024, flexibilizou exigências para empreendimentos em áreas ainda não demarcadas — abrindo brechas para exploração em territórios como o quilombo Kalunga.

 

O procurador Bernardo Meyer Cabral Machado, do MPF-TO, alerta: “O Brasil tem uma das maiores reservas do mundo, mas precisa escolher entre ser potência mineral ou potência ambiental. Não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo, se mantiver esse modelo de exploração.” 

Com 23% das reservas globais de terras raras, o Brasil surge como alternativa estratégica para reduzir a dependência do Ocidente em relação à China.

O governo americano já sinalizou interesse nas jazidas brasileiras, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que as terras raras podem entrar nas negociações tarifárias com os EUA.

 

Mas o entusiasmo dos investidores estrangeiros contrasta com a ausência de regulação clara. O projeto que pretende liberar mineração em terras indígenas continua tramitando no Congresso, sob forte pressão de lobistas e governos estaduais.

 

“Estamos diante de uma nova corrida colonial”, diz Vandeli Paulo dos Santos, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas  (Conaq). “O discurso do desenvolvimento serve aos mesmos: grandes corporações e países ricos. Enquanto isso, os povos da floresta continuam pagando a conta.”

 

Entre o lucro e a sobrevivência

 

Enquanto Trump tenta conter a ofensiva chinesa e Xi Jinping reorganiza suas cartas para as negociações, a Amazônia — novamente — vira palco de uma disputa global travestida de modernidade.

 

Desta vez, não se trata de ouro ou borracha, mas dos minerais que movem os carros elétricos, os satélites e os drones de guerra do século XXI.

 

“A verdadeira pergunta”, adverte o geólogo Elias Santos Júnior, “é se o Brasil vai conseguir usar sua riqueza mineral para impulsionar um desenvolvimento sustentável — ou se repetirá a velha história de extrair muito, lucrar pouco e destruir tudo.”

 

COP30 e o “PL da Devastação”: quando o Brasil se vende como vitrine verde

 

Nesse contexto, Belém sediou a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O evento, promovido pela ONU e pelo governo Lula, foi vendido como símbolo da “reconciliação ambiental do Brasil com o mundo” pós governo negacionista de Bolsonaro, e atraiu olhares e investimentos bilionários, como os da mineradora Vale — que financiou boa parte da infraestrutura para sediar o encontro, incluindo o Parque da Cidade — e da norueguesa Hydro Alunorte, localizada em Barcarena, na região metropolitana de Belém.

 

Mas, nos bastidores, o discurso verde contrasta com uma avalanche de retrocessos que avançam no Congresso e nos estados amazônicos.

 

Entre eles, o mais emblemático é o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, que teve os vetos do presidente Lula derrubados logo após a realização da COP30.

 

A proposta, que desmonta a Política Nacional de Licenciamento Ambiental, dispensa estudos de impacto para obras de infraestrutura — como hidrelétricas, rodovias, ferrovias e minerodutos — e abre brechas para legalizar atividades de alto risco ambiental em territórios indígenas e quilombolas, dando prosseguimento ao projeto de integração sul-americana (IIRSA/COSIPLAN).

 

“O governo quer apresentar a Amazônia como palco da transição ecológica, mas o que está em curso é uma transição do discurso: um ambientalismo de fachada a serviço do capital financeiro”, critica Suely Araújo, do Observatório do Clima.

 

A contradição é visível: enquanto ministros discursam sobre justiça climática, as pautas que ampliam o desmatamento e flexibilizam a proteção socioambiental seguem tramitando em regime de urgência, com o apoio de ruralistas, empreiteiras e mineradoras.


Capitalismo verde: a nova face da velha exploração

 

Sob o rótulo de “capitalismo verde”, corporações e governos vêm reembalando o extrativismo amazônico em tons sustentáveis. O modelo é simples: em nome da descarbonização e da energia limpa, abre-se espaço para megaprojetos de mineração, hidrogênio verde, crédito de carbono e infraestrutura logística — todos apresentados como “inevitáveis” para o futuro do planeta.

 

Mas, como alerta a ambientalista Ilka Oliveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA): “O capitalismo verde é a nova face do colonialismo. Ele promete salvar o planeta, mas começa destruindo as florestas e expulsando os povos que o protegem.”

 

Os megaprojetos sustentáveis — do Hidrogênio Verde no Maranhão à rota bioceânica da IIRSA — reproduzem o mesmo modelo de saque e dependência econômica, transformando a Amazônia em um corredor de exportação de energia e minerais para o Norte global.

 

IIRSA: o velho projeto que volta com nova roupagem

 

Construção da Ferrogrão - Imagem: Outras Palavras
Construção da Ferrogrão - Imagem: Outras Palavras

A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), criada em 2000 sob influência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), volta agora como “plano de logística sustentável da Amazônia”.

 

Na prática, trata-se da reedição de um projeto de devastação: interligar a floresta a portos e ferrovias para escoar commodities — soja, minério e energia — rumo à China e à Europa.

 

Entre os eixos priorizados estão:

 

  • A Ferrovia do Grão (Ferrogrão), ligando o Mato Grosso a Miritituba (PA);

  • As rodovias BR-163 e BR-319, que cortam áreas de floresta primária;

  • A expansão dos portos do Arco Norte, como Vila do Conde (Barcarena) e Santarém, ambos no Pará. 

Essas obras, travestidas de integração continental, avançam sobre territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos sem consulta prévia, livre e informada — um direito assegurado pela Convenção 169 da OIT.

 “A IIRSA é o mapa da morte da Amazônia”, afirma o antropólogo Eduardo Góes Neves, da USP. “Ela articula o interesse do agronegócio, das mineradoras e do capital internacional, sacrificando modos de vida inteiros em nome da eficiência logística.”

 

Povos da floresta: resistência sob fogo cruzado


Os impactos já são visíveis. Em Itaituba e Altamira, comunidades ribeirinhas denunciam remoções forçadas e a contaminação de rios por megacaminhões que transportam minério e soja.


No Baixo Tapajós, aldeias indígenas sofrem com o avanço do garimpo e o aumento da violência armada, bem como a ameaça de privatização com o Decreto 12.600 do governo Lula.


Nas margens da BR-319, povos isolados vivem sob ameaça de novos loteamentos e da grilagem. “Estamos cercados pelo progresso deles”, diz Arlindo Suruí, liderança de Rondônia. “Para o governo, desenvolvimento é destruir a floresta. Para nós, é continuar vivos.”

 

O avanço do capitalismo verde se soma à violência estrutural: assassinatos de lideranças, assédio de empresas, criminalização de servidores públicos e o desmonte dos órgãos fiscalizadores — Ibama e ICMBio seguem sofrendo cortes e militarização, mesmo após promessas de recomposição.

 

Belém, COP30 e a hipocrisia oficial


Na COP30, Belém transformou-se em um laboratório de marketing político e negócios “verdes”.

 

Empresas de mineração patrocinaram painéis sobre sustentabilidade; bancos anunciaram fundos bilionários de “finanças climáticas”; e o governo do estado, Helder Barbalho (MDB), repetiu o discurso da “Amazônia que dá lucro”. 

“A COP virou uma vitrine do greenwashing global”, critica a pesquisadora Telma Monteiro. Greenwashing é a estratégia de marketing enganosa que faz empresas parecerem mais sustentáveis e responsáveis do que realmente são.

“Fala-se em economia verde, mas ninguém toca no modelo de dependência e destruição. O Brasil oferece crédito de carbono enquanto destrói a base ecológica que o sustenta.”

 

A cidade que sediou a conferência sofre com esgoto a céu aberto, caos na educação, saúde, assistência social, queimadas em Unidades de Conservação e o avanço desenfreado da especulação imobiliária.

 

Para a professora Sílvia Letícia, ex-vereadora de Belém e coordenadora do Sindicato da Educação (SINTEPP), “essa situação é o retrato fiel de um país que tenta se vender como potência ambiental, mas continua sacrificando povos e florestas para alimentar o sistema financeiro internacional”.


O SINTEPP Belém — mesmo diante de decretos que restringiam mobilizações e atos públicos, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) decretada pelo governo Lula — organizou uma das maiores manifestações de denúncia da COP30. Além de trabalhadores em educação se somaram os servidores da saúde, da assistência social e a diversos movimentos sociais, que viram na mobilização do combativo sindicato uma oportunidade para denunciar ao mundo a situação caótica dos serviços públicos da cidade-sede do evento global.

 

Entre a floresta e o mercado: o futuro em disputa

 


O incêndio do DSEI Guamá-Tocantins, a corrida por terras raras e o avanço da IIRSA não são eventos isolados. Eles fazem parte de um mesmo sistema que transforma a Amazônia em fronteira energética e mineral sob o selo da sustentabilidade.


O fogo que destruiu o DSEI é o mesmo que consome a floresta, as políticas públicas e a dignidade de quem vive nela.

 

A corrida por minerais estratégicos, o avanço do capitalismo verde e o PL da Devastação são diferentes faces de um mesmo processo — o da exploração contínua dos territórios do Sul Global em nome de um progresso que nunca chega.

 

Enquanto o Norte debate metas de carbono, os povos da Amazônia seguem debatendo sobrevivência. E, diante das chamas, sua resposta ecoa como manifesto: “Não há transição ecológica possível sem justiça social. Nem economia verde que sobreviva sem floresta em pé e povos de pé.” Declarou em tom de protesto uma importante liderança indígena acampada na Aldeia Cop30, local que serviu de abrigo temporário para os mais de 3 mil indígenas que participaram da Cúpula dos Povos, um movimento de contraponto aos negócios capitalistas da Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente.

 

É necessário construir alternativas políticas e programáticas que combatam o capitalismo verde, alternativas ecossocialistas que organizem as lutas e mobilizações do povo da cidade, do campo, das águas e da floresta. Esse é o objetivo da Liga Internacional Socialista (LIS).


 

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