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29 de janeiro, visibilidade pra quem?

Por Atena, presidenta do DCE da UTFPR e militante da Revolução Socialista Paraná

Mais um ano em que, mais uma vez, precisamos afirmar para a sociedade que estamos existindo e resistindo. Mas, em que condições vivemos essa existência, dentro dessa mesma sociedade?

Em 2024, alcançamos conquistas históricas, mesmo quando fomos surpreendidas com a infiltração de políticas neoliberais dentro da comunidade trans brasileira, especialmente nas eleições municipais. Partidos da extrema direita perceberam que as corporalidades trans são um alvo vulnerável, e, por meio de discursos maldosos, cooptaram diversas candidaturas trans para seus partidos em todo o país, somando 367 candidaturas. A grande pergunta que fica é: o que leva essas pessoas a se associar a políticas que não defendem suas vidas e suas identidades?

Para entender essa realidade, é preciso observar o contexto social em que a comunidade trans está inserida. O Brasil continua sendo o líder mundial em assassinatos de pessoas trans, um dado alarmante que é reforçado a cada ano pelo dossiê de violência da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Ao mesmo tempo, somos o maior consumidor de conteúdo pornográfico que explora corporalidades dissidentes. Essas são realidades que nos apontam para um fato doloroso: as políticas públicas implementadas pela esquerda reformista, especialmente sob o governo de Lula, não têm contemplado de forma efetiva os corpos trans.

Além disso, quando conseguimos adentrar espaços políticos, muitas vezes somos usadas como "token" (representações simbólicas) em movimentos que aplaudem nossos discursos, mas que, na prática, não mudam a dinâmica de pertencimento de nossas corporalidades. Somos ainda vistas como possibilidades periféricas e não como agentes reais de mudança e transformação.

No documentário Bixa Travesty, Linn da Quebrada e Jup do Bairro oferecem uma subversão profunda da percepção da identidade transgênera na sociedade. Elas nos mostram como somos frequentemente reduzidas a estereótipos caricatos, monstros indignos de afeto, mas que, ao mesmo tempo, sustentam a manutenção da estrutura da família tradicional. A verdadeira usurpação de nossas vivências e identidades se dá nesse processo de invisibilização e objetificação.

O poder patriarcal se acostumou a nos ver como parte de um espetáculo grotesco, similar aos teatros gregos que usavam corpos marginalizados para entreter a "boa sociedade". Isso só reforça a visão de que nossa existência é uma ameaça ao patriarcado tradicional.

E, mais uma vez, este ano demonstra o quanto nossa presença é vista como uma ameaça a essa estrutura. Logo no primeiro mês, vimos vereadores eleitos propondo medidas genocidas contra nossa população, com ideias pautadas em ideologias cristãs que visam proibir nossos corpos de ocupar mais que as esquinas. Nossa existência segue sendo constantemente ameaçada, e a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil ainda é de apenas 35 anos.

Além disso, continuamos distantes de relações amorosas seguras e de afeto assumido, sendo constantemente despojadas de nosso direito ao carinho e à dignidade. Isso é refletido nas políticas que ainda não atendem as nossas necessidades reais.

É imperativo que as políticas públicas voltadas para pessoas trans mudem. Precisamos de ações concretas que criem dinâmicas reais de pertencimento e de relação. O dia 29 de janeiro não pode continuar sendo um momento para lamentarmos os lutos que nos assombram, mas sim uma data para construir um futuro em que as pessoas cis possam finalmente compreender seu papel em cuidar de seus camarades trans. O afeto por nossos corpos deve ser visto como um ato político de subversão contra a lógica bíblico-biológica que tenta nos silenciar.

2 comentários

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2 Comments

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Guest
Jan 30
Rated 5 out of 5 stars.

O afeto só será verdadeiramente revolucionário quando levar em conta os corpos de pessoas trans, travestis, NB. Enquanto isso não ocorrer, qualquer tentativa de avanço nesse tema estará fadada a fracassar e cair nos mesmos erros que a política reformista insiste em continuar errando.


Viva a vida das pessoas trans!

Viva a vida das dissidências! Que essa data seja usada para mostrar que devemos celebrar essas vidas todos os dias!

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Uccs
Jan 29
Rated 5 out of 5 stars.

Sua reflexão foi muito boa e necessária! As pessoas devem atuar em prol da causa e se lembrar que as vidas trans importam não só no dia 29 de janeiro.

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