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COP 30: anúncios sobre demarcações de Territórios não dissipam frustrações de indígenas


Indígenas Munduruku ocupam Zona Azul na COP 30 exigindo negociar como o presidente Lula, a demarcação de seu território e a revogação do Decretro 12.600 do governo federal que privatiza os rios Tapajós, Tocantins e Madeira - Imagem Michelle Valente/enviada especial do Portal iG
Indígenas Munduruku ocupam Zona Azul na COP 30 exigindo negociar como o presidente Lula, a demarcação de seu território e a revogação do Decretro 12.600 do governo federal que privatiza os rios Tapajós, Tocantins e Madeira - Imagem Michelle Valente/enviada especial do Portal iG

Apesar do destrave de 14 processos na conferência do clima em Belém, líderes indígenas cobram agilidade do Governo Lula e criticam o ritmo burocrático, vendo o compromisso como insuficiente diante da urgência climática e dos conflitos fundiários.

 

Por Douglas Diniz - Jornalista, membro da Direção da Revolução Socialista (RS) e da Liga Internacional Socialista (LIS), Coordenador do Portal Info.Revolução

 

Belém, PA - O anúncio de reconhecimento de quatro Terras Indígenas (TIs) e a delimitação de dez novos territórios pela ministra Sônia Guajajara na COP 30, nesta terça-feira (18), embora represente um avanço formal, não conseguiu aplacar a crescente frustração de líderes indígenas com o ritmo das demarcações no Governo Luiz Inácio Lula da Silva.

 

A capital paraense, palco da Conferência do Clima e da presença de cerca de 5 mil indígenas, assistiu a um gesto do governo federal que, na prática, é visto por muitos ativistas como insuficiente e lento se comparado às promessas de campanha e à urgência histórica da causa.

 

Desde o início do mandato, quando Lula subiu a rampa do Planalto ao lado do Cacique Raoni, as expectativas do movimento indígena eram de um mutirão nas demarcações. Contudo, em eventos cruciais como o Acampamento Terra Livre (ATL), os anúncios ficaram aquém do esperado. Em Belém, a pressão foi pública: a Marcha Global Indígena que antecedeu o anúncio da ministra cobrou a demarcação urgente como política climática.

 

A Burocracia e a falta de vontade política 


Os 14 processos destravados somam mais de 2,18 milhões de hectares e são inegavelmente vitais. A demarcação, como demonstram dados do Observatório do Clima – Territórios Indígenas perderam apenas 1% de floresta nativa em três décadas, contra 20% em áreas privadas –, é o mecanismo mais eficaz de proteção ambiental no país. No entanto, a morosidade do processo tem raízes profundas, mas é agravada pela percepção de que a vontade política não se traduz em velocidade na execução.

 

"A Amazônia precisa seguir no centro da política de demarcação", pontuou Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, reforçando o foco que o governo deveria manter, mas que tem sido disperso. O governo, que cria um Ministério dos Povos Indígenas, é criticado por manter uma "inércia" que desvaloriza o simbolismo inicial.

 

A lentidão não apenas frustra as comunidades, muitas das quais aguardam o reconhecimento de suas terras há décadas, mas também alimenta os conflitos fundiários. Em um cenário de “aperto fiscal” e articulação política complexa no Congresso, a promessa de "zerar" as demarcações pendentes esbarra em uma alegada “falta de recursos” para a continuidade dos processos e na resistência de setores do agronegócio, para os quais o governo é acusado de se alinhar em detrimento da agenda indígena.

 

O Histórico de atrasos

 

A Constituição de 1988 estabeleceu o prazo de cinco anos para a conclusão de todas as demarcações no país, mas 37 anos depois, dezenas de processos seguem parados. Historicamente, a média anual de homologações de Territórios Indígenas nos oito anos dos dois primeiros mandatos de Lula foi de 10 por ano, inferior aos 18 por ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Embora o atual mandato sinalize para um avanço, em relação ao governo de ultra direita do presidente Bolsonaro, o tempo de espera e o número de territórios ainda em fases iniciais – com 255 TIs com processo iniciado e não finalizado – são vistos como um fracasso de Estado que o atual governo ainda não conseguiu reverter de forma decisiva.

 

A demora é duplamente prejudicial: economicamente, o custo da desapropriação e indenização cresce com a valorização das terras; e simbolicamente, com a morte de lideranças mais antigas e o esvaziamento da memória das comunidades sobre seus limites ancestrais. 

As quatro terras indígenas que foram reconhecidas somam 2,182 milhões de hectares e estão nos municípios de Faro e Oriximiná, no Pará, e Nhamundá, no Amazonas. São elas:

 

  • TI Kaxuyana-Tunayana (PA–AM)

  • TI Manoki (MT)

  • TI Uirapuru (MT)

  • TI Estação Parecis (MT)

 

Já as portarias de declaração de 10 Terras Indígenas contemplam áreas em São Paulo, de territórios Guarani, que teve reconhecimento também em Mato Grosso do Sul; três no Nordeste, sendo duas na Bahia e uma em Pernambuco; e duas no Norte, sendo no Pará e outra no Amazonas. Veja abaixo:

 

  • TI Sawre Ba’pim (PA - Munduruku)

  • TI Vista Alegre (AM - Mura)

  • TI Tupinambá de Olivença (BA - Tupinambá)

  • TI Comexatiba (BA - Pataxó)

  • TI Ypoi Triunfo (MS - Guarani)

  • TI Pankará da Serra do Arapuá (PE - Pankara)

  • TI Sambaqui (PR - Guarani)

  • TI Ka'aguy Hovy (SP - Guarani)

  • TI Pakurity (SP - Guarani)

  • TI Ka'aguy Mirim (SP - Guarani)


 Lideranças cobram demarcação imediata e justiça na COP 30

 

A manifestação na Marcha Global dos Povos Indígenas transformou a COP 30 em um palco de denúncia do assassinato de Vicente Kaiowá usado como símbolo da falha do Estado em proteger territórios e vidas.

 

O Confronto de agendas em Belém

 

A intensa mobilização de lideranças na Marcha Global dos Povos Indígenas, realizada nesta segunda-feira (17) em Belém, expôs o profundo abismo entre a retórica climática do governo Lula, da COP 30 e a realidade de violência nos territórios.

 

A frase "Parem de nos matar" tornou-se o principal palavra de ordem, com a denuncia do assassinato de Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá, de 36 anos, ocorrido neste domingo (16) em Mato Grosso do Sul.

 

O ataque armado à retomada Pyelito Kue, no município de Iguatemi, resultou na morte de Vicente, atingido na cabeça, e deixou outros quatro indígenas feridos, incluindo adolescentes e uma mulher, atingidos por armas de fogo e balas de borracha.

 

O relato da comunidade, de que pistoleiros tentaram levar o corpo de Vicente, mas foram impedidos pelos indígenas, sublinha a barbárie e a impunidade que caracterizam os conflitos no campo.

 

Incompetência e impunidade

 

A indignação com o assassinato foi palpável. Vilma Vera Caletana Rios, do povo Avá Guarani, da aldeia Guasu Gauavira (PR), cobrou veementemente a punição dos responsáveis, ligando diretamente a justiça climática à justiça pelas vidas perdidas.

 

“Mais um indígena, mais uma liderança, mais um homem assassinado no seu território. Quando a gente fala de justiça climática, não podemos esquecer de fazer justiça pelas pessoas que já foram assassinadas nos seus territórios. Não podemos nos calar diante de uma violência tão grande”, disse Vilma.

 

Paulo Macuxi, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), endossou o tom de crítica à inércia do poder público. "Nossos parentes estão sendo assassinados e isso não vai ficar barato. Isso não pode ficar como se fosse algo comum. Alguém tem que ser responsabilizado, alguém tem que ser punido porque são vidas sendo perdida, dia após dia, e ninguém faz nada. Os órgãos são incompetentes, ninguém faz nada para sanar essas nossas dores", desabafou Macuxi, mirando a ineficácia das instituições de segurança e justiça.

 

O Grito pela vida e Território na COP


O discurso de que a crise climática não pode ser dissociada da crise humanitária e territorial dominou a fala das lideranças. Nadia Tupinambá, do território indígena de Olivença (BA), exigiu que as autoridades reconheçam o "sangue derramado de todos os ancestrais", deixando claro que a luta ambiental é, antes de tudo, uma luta pela sobrevivência física.

 

A líder Tupinambá fez uma crítica direta e contundente ao foco da COP 30, ligando a violência à falta de demarcação:

 

“Estamos aqui para dizer: ‘parem de nos matar’. Parem de matar nossas florestas. Parem de vender nossos rios. Enfrentamos muitas lutas, mas não vamos desistir. Na COP 30, eles estão falando de clima, mas não estão falando de demarcação do nosso território, onde nosso povo está perdendo vida, onde tem criança, mulher e indefeso sendo atacado, até pela polícia, pelo Estado, sem ordem judicial. Mas nós não vamos desistir. Somos todos Guarani Kaiowá”, complementou Nadia, unindo a causa de seu povo à luta do Guarani Kaiowá.

 

O episódio de violência no Mato Grosso do Sul, ao ser trazido para o centro da COP, forçou a conferência a encarar o dilema: não há transição energética ou política climática justa sem a garantia da vida e do território dos povos indígenas, os verdadeiros guardiões da floresta.

 

As mobilizações radicalizadas dos povos indígenas — sobretudo da região do Tapajós — realizadas durante a Cúpula dos Povos pautaram, de forma contundente, a demarcação dos Territórios Indígenas e a rejeição à privatização dos rios Tapajós, Tocantins e Madeira, prevista no Decreto 12.600 do presidente Lula. As pressões fizeram o governo acelerar medidas, como as anunciadas pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e acabaram ofuscando a atuação do governador do Pará, Helder Barbalho, que desapareceu da cena política durante os dias da COP para preservar sua imagem — já bastante questionada por lideranças indígenas desde a ocupação da Secretaria de Educação, em janeiro, que obrigou o governo a recuar de uma lei que desestruturaria o ensino indígena.

 

O reino das agromilícias: o assassinato de Vicente Kaiowá e a guerra silenciosa em Mato Grosso do Sul

 

O assassinato da liderança indígena em uma área de retomada expõe a falência do Estado em garantir a segurança no Mato Grosso do Sul, onde grupos armados a serviço de fazendeiros agem com impunidade em um conflito fundiário que já dura décadas e beira o genocídio.


O Confronto na Retomada Pyelito Kue


O brutal assassinato de Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá (36) na retomada Pyelito Kue, em Iguatemi (MS), não é um caso isolado, mas sim um trágico sintoma da guerra de extermínio movida por agromilícias na região.

 

As agromilícias são grupos de segurança privada — frequentemente formados por pistoleiros, ex-policiais ou jagunços contratados por fazendeiros — que atuam com a finalidade de expulsar violentamente comunidades indígenas de territórios tradicionais não demarcados.

 

Vicente foi morto com um tiro na cabeça durante um ataque que, segundo relatos dos Guarani Kaiowá, durou horas e foi executado por um grupo de pistoleiros que agia como uma força paramilitar. O ataque, que deixou outros quatro feridos, ocorreu na área da Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I, que está sobreposta à Fazenda Cachoeira e é um ponto central no conflito fundiário do estado.

 

A lógica da agromilícia: defender o latifúndio a qualquer custo

 

Em Mato Grosso do Sul, a atuação das agromilícias está diretamente ligada à demora crônica na demarcação de terras e à alta concentração fundiária. O Estado possui uma das maiores populações indígenas do país (cerca de 120 mil pessoas, principalmente Guarani Kaiowá e Terena) em confronto direto com a economia do agronegócio, baseada na produção de grãos e pecuária.

 

  1. Vazio legal: a lentidão do Governo Federal em finalizar os processos demarcatórios cria um vazio jurídico que é explorado por fazendeiros. O território, reivindicado como tradicional pelos indígenas, é ocupado ilegalmente por títulos de terra adquiridos por fazendeiros.

 

  1. Ação paramilitar: para defender a posse de terras contestadas, os fazendeiros contratam segurança armada. Esses grupos, que atuam com táticas de cerco, intimidação e violência extrema, são o braço armado da pressão contra as retomadas. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e lideranças denunciam que os agressores em Pyelito Kue agiram com espingardas calibre 12 e .38, e até usaram balas de borracha (munição de uso restrito a forças de segurança), levantando suspeitas de envolvimento de agentes de segurança pública.

 

  1. Genocídio silencioso: A consequência é um ciclo de violência ininterrupta. Lideranças Guarani-Kaiowá relatam um genocídio e um terrorismo constante, com centenas de indígenas mortos em conflitos fundiários ao longo das últimas décadas (como o pai da líder Valdelice Veron, Cacique Marcos Veron). O assassinato de Vicente é mais um nome em uma lista trágica que se repete há gerações.

 

Omissão e impunidade: a falha do estado

 

A crítica das lideranças indígenas na COP 30, como Vilma Vera Caletana Rios e Paulo Macuxi, é direcionada à omissão e incompetência dos órgãos do Estado.

 

  • Lentidão judicial: Embora haja avanços pontuais, como a conciliação em algumas áreas coordenadas pelo STF, a Justiça Federal e Estadual têm se mostrado lentas para processar e condenar os mandantes dos assassinatos, permitindo que as agromilícias continuem a agir impunemente.


  • Ação inadequada: O Estado é acusado de falhar em sua principal obrigação: garantir a segurança das comunidades indígenas enquanto os processos de demarcação não são finalizados. A atuação da Polícia Militar (PM) em conflitos na região também já foi alvo de denúncias por uso desproporcional da força contra os indígenas.

 

A prisão em flagrante de um suspeito pela Polícia Federal é um passo investigativo importante, mas a comunidade e ativistas exigem que as investigações alcancem os mandantes e desmantelem o esquema de contratação de pistoleiros, visto como a única forma de interromper o ciclo de assassinatos.

 

A solução definitiva, como enfatizam as lideranças, é a demarcação imediata dos territórios tradicionais. É a expropriação de todas as terras ocupadas de forma ilegal pelo latifúndio agroexportador que pouco se importa com as necessidades da população indígena.

 

É o que também exige a Liga Internacional Socialista (LIS), organização política que se soma à denúncia desse bárbaro assassinato e que, por meio da Organização Revolução Socialista — sua seção oficial no Brasil —, tem apoiado a luta e as pautas de todos os povos e nações contra o Estado e o latifúndio.

 

(Matéria em atualização)

Fontes: Portal G1, Agência Brasil, CIMI, Repórter Brasil

 

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