Por Eduardo Rodrigues. Estudante da Licenciatura em Geografia, membro da Comissão Organizadora do Diretório Acadêmico do IFPA Campus Belém
No dia 22 de maio mais de 20 mil trabalhadores foram às ruas de Brasília em manifestação por reivindicações de diversos setores da classe diante do governo Lula-Alckmin. Entre eles os servidores públicos das universidades e dos institutos federais que estão realizando a maior greve da educação dos últimos 20 anos. Já são mais de 550 unidades da educação federal que estão unidas neste crescente movimento de luta. Exigem que haja uma recomposição dos orçamentos tão insuficientes face à necessidade de manutenção das instituições da educação, assim como exigem uma reestruturação das carreiras e uma real valorização salarial. Trata-se de uma luta justa e necessária por dignidade em uma das áreas mais desvalorizadas do Brasil, uma luta por uma ampliação de investimentos na educação.
O fato é que o capitalismo brasileiro vem há anos aplicando o projeto de destruir a nossa educação pública. É o que explica ela ser tratada como um alvo estratégico de ataques de todos os governos. Seja em governos capitalistas de conciliação, governos capitalistas da direita tradicional ou de extrema-direita fascistóide, tais como os governos Dilma, Temer e Bolsonaro, respectivamente.
Os números da última década são contundentes. Não deixam margem para dúvidas quanto a este rumo de desinvestimento e desmonte paulatino que está em curso. Vejamos: de 2012 à 2023 ocorreu queda de investimentos na educação básica, indo de R$ 37 bilhões para R$ 11 bilhões. De 2015 à 2023 os investimentos na educação superior caíram de R$ 51 bilhões para R$ 34 bilhões. De 2014 à 2023 a queda de investimento no setor da educação profissionalizante foi de R$ 20 bilhões para R$ 13 bilhões (fonte: Câmara dos Deputados). E o problema da desvalorização continua, inclusive, sob o governo Lula-Alckmin que recentemente efetuou um corte de R$ 4 bilhões nas áreas de Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia para atender o terrível Arcabouço Fiscal - o atual “teto de gastos” que reduz investimento sociais para garantir o dinheiro de banqueiros e do sistema da dívida pública (fraudulenta e nunca auditada). O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) afirmou em nota pública ao final do ano de 2023 que a Lei Orçamentária prevista para 2024 abria risco de inviabilidade ao funcionamento das instituições de educação, exigindo uma complementação mínima de cerca de R$ 2 bilhões a mais para garantir que as atividades possam continuar. No mesmo sentido a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) apontou a necessidade de acréscimo de mais de R$ 2,5 bilhões para as necessidades das universidades federais e centros de educação tecnológica, após estudos técnicos.
É esse histórico desmonte o que explica porque faltam tantas bolsas de Pesquisa, Extensão, Monitoria, explica porque existe uma queda de recursos na Assistência Estudantil e nos seus auxílios aos estudantes com Índice de Vulnerabilidade Social. Esse desmonte é o que explica porque faltam tantas reformas estruturais em prédios, em nossos banheiros, laboratórios, a falta de insumos, falta de materiais básicos até de higiene e uma série de outros problemas diários na vida das universidades, institutos e escolas. No final das contas, é isso que explica também porque o número de vagas nas instituições federais de educação é tão pequena quando é comparada aos concorridíssimos processos vestibulares que deixam milhares e milhares de candidatos frustrados no sonho de estudar nas instituições federais de educação.
A realidade é que nós temos vivido o que podemos chamar de uma “encruzilhada histórica” da educação pública brasileira que corresponde à crise estrutural do capitalismo no Brasil e no mundo. Onde a destruição de direitos é parte do processo que o sistema realiza para baratear os “gastos” com o ser humano, rebaixando a sua dignidade em todos os sentidos. Dificultando e até negando o livre acesso à saúde, educação, moradia, transporte, emprego, salário, etc.
MAS, AFINAL, POR QUE A EDUCAÇÃO PÚBLICA É SISTEMATICAMENTE ATACADA?
Em primeiro lugar, a educação pública é atacada para se criar as condições de colocar no lugar dela uma educação privada. O sonho dos empresários brasileiros é dar fim completo ao ensino público, para explorarem totalmente o que é o direito à educação. Transformá-lo em apenas mais uma mercadoria. Querem uma educação onde se cobrem altas mensalidades para poderem enriquecer os empresários proprietários, cujo padrão de ensino é mercadológico, onde ao invés de termos casas da ciência se tenha apenas balcões de diplomas, com uma péssima qualidade típica da fórmula de “maior lucro com menor custo”, formando pessoas preparadas aos trabalhos mais precários em direitos e mais super explorados enquanto mão-de-obra barata. Para produzir pessoas como engrenagens de um sistema cujo objetivo essencial é enriquecer poucos explorando muitos.
Em segundo lugar, a educação pública é atacada para reduzir ainda mais o espaço para produção de visão crítica de mundo. É parte do caminho de instalar um tipo de pensamento e comportamento de obediência e subserviência ao sistema. Isso se faz impedindo a constituição de laços de solidariedade. Como? Ao aprofundar os níveis de individualismo e desorganização dos explorados e oprimidos, através do aumento da divisão e da opressão entre eles próprios... Como? Buscando convencer, por exemplo, que os estudantes de hoje não tem nada a ver ou não deveriam se identificar com esta classe trabalhadora em luta da qual logo logo eles serão parte no “mercado de trabalho”. Para que não acumulem desde cedo os conhecimentos sobre a luta coletiva no movimento estudantil unidos ao movimento dos trabalhadores. Para que não percebam que serão tão ou mais explorados e oprimidos que hoje lutam por mais dignidade. Para que não vejam que os estudantes de agora são os trabalhadores de amanhã que estarão pedindo o apoio e a solidariedade da sociedade em suas lutas e de suas famílias por melhores condições de trabalho e salário, seja em qual trabalho for…
A EDUCAÇÃO PÚBLICA É ESPECIALMENTE ODIADA PELA EXTREMA-DIREITA FASCISTA PORQUE É UM ESPAÇO QUE FAVORECE A SOLIDARIEDADE E CONSCIÊNCIA DE CLASSE
Precisamos entender que as universidades, os institutos federais e as escolas públicas em geral são sempre pólos de luta e de resistência contra todas as formas de exploração e de opressão gestadas por esse modelo de sociedade cada vez mais ultra-individualista e de competição de uns contra os outros. Nas trincheiras da educação pública se lutou contra a ditadura militar, se luta todo dia contra todo tipo de violência e discriminação aos grupos sociais mais subalternizados e marginalizados. É onde se aprender a viver em sociedade, sabendo das relações de interdependência que o ser humano possui em todos os aspectos da sua vida. Dos mais simples aos mais complexos, como comprar um tênis ou ter acesso ao ensino público. De como cada coisa depende do trabalho de alguém e que todo trabalho deve ser valorizado, e que isto é conquistado através da luta coletiva.
O espaço da educação pública é um território onde os valores de solidariedade e da união em lutas coletivas por direitos sociais florescem mais fácil nos corações e mentes do que em meio à barbárie cotidiana de indiferença, desigualdade, ódio e violência que marca nossa época histórica e as nossas cidades sem coração. Na educação pública é onde se pode e se deve alimentar uma visão crítica e as vontades de mudanças positivas no mundo. Vontades essas que, na maior parte do tempo, não são do interesse do sistema decadente em que vivemos. Este podre sistema capitalista que cada vez mais caminha para a brutalidade generalizada e para o projeto do fascismo contra os trabalhadores e povo mais pobre, contra os seus sindicatos e movimentos sociais, suas organizações e suas formas de luta coletiva por dignidade…
É por isso que a educação é especialmente odiada pela extrema-direita. Este setor político terrível têm se organizado e multiplicado suas células de norte à sul do país nos últimos anos com discursos e valores de “todos contra todos” e “salve-se quem puder”. Tem na sua base ideológica todo raciocínio que alimente as divisões sociais através de elitismo, racismo, machismo, lgbtfobia, misoginia, capacitismo, xenofobia e todos os tipos de discursos de ódio antissocial e de violência contra outros grupos sociais, antagonizando o individual ao coletivo. Os interesses particulares contra direitos gerais. A extrema-direita odeia a diferença e a educação pública ensina ao convívio entre os diferentes.
Exemplo categórico da solidariedade que nasce da educação vem das escolas e universidades dos Estados Unidos, onde estudantes de forma corajosa fazem acampamentos e manifestações de solidariedade ao povo da Palestina, contra o extermínio militar praticado pelo estado sionista de extrema-direita de “Israel” que - com apoio do próprio governo americano - já matou dezenas de milhares de mulheres e crianças nos últimos meses. Bombardeando civis inocentes enquanto chama de “terrorista” quem não aceita esse real massacre monstruoso. O principal símbolo dessa extrema-direita no mundo hoje é o sionismo - ideologia racista e de ocupação colonialista que há 70 anos prática limpeza étnica contra o povo palestino - e quem mais se levanta no planeta contra toda essa brutalidade? Os professores e os estudantes que tem como espaços de luta justamente os espaços da educação, com a força de uma juventude combativa que é contra o genocídio e pelo fim da ocupação sionista. O mesmo acontece em escolas e universidades na França, México, Argentina e inúmeros países. A educação deve ser solidária e humanista onde for.
APOIAR A GREVE DA EDUCAÇÃO FEDERAL É PARTE DA LUTA CONTRA AS DIREITAS E A EXTREMA-DIREITA
Hoje há um “cabo de guerra” no Brasil. De um lado estão todos aqueles e aquelas que são parte da educação pública federal (docentes, técnicos-administrativos e estudantes) junto à todos aqueles que se preocupam com o futuro de ensino público. Do outro lado estão todos aqueles setores anti-educação pública, fora ou dentro de um Ministério da Educação - dirigido pelo ministro Camilo Santana, o odiadíssimo ex-governador cearense que atacou por anos a educação no nordeste - abarrotado de direitistas e capitalistas de organizações como o “Todos Pela Educação” e a “Fundação Lemann”.
Nós estudantes de que lado devemos estar? Ao lado desta imensa luta pelas pautas da educação ou contra ela? Uma coisa é certa: toda a direita está contrária a esta união pela educação.
Está contrária pois essa greve de trabalhadores abre a oportunidade de conquistar melhorias necessárias que podem fortalecer a educação pública no Brasil. Que pode fortalecer a visão crítica da luta por justas mudanças na sociedade. Que fortalece a solidariedade e consciência de classe entre os estudantes, docentes e técnicos. Pode servir de incentivo para que estes lutem juntos por mais dignidade não só no campo da educação, mas em todos os campos de necessidade do povo brasileiro e, deste modo, enfrentando os interesses da burguesia. Esta já é uma greve histórica pelo tamanho de sua adesão e, consequentemente, pelo tamanho de sua força social. Também porque a greve antagoniza com todos da direita e da extrema-direita que torcem pelo fim da educação pública e pela derrota desta poderosa greve federal. A verdade é que também é uma bandeira que a extrema-direita não pode roubar para si e protagonizar, porque durante anos chamou professores de “vagabundos”, servidores de “parasitas”, estudantes de “baderneiros” e “drogados”, dizendo que as universidades e institutos seriam a “perdição”. É uma luta que eles não podem assumir, a não ser pelo viés da desmoralização, do divisionismo e da confusão. Agindo contra ela. Ainda assim, não é um terreno fértil para os negacionismos toscos. A Educação é heróica e respeitada na sociedade e as suas lutas têm recebido um apoio imenso diante de todos os governos que a atacam.
Inclusive, é muito importante saber o tamanho do apoio da sociedade a esta greve. Ela conta com ampla solidariedade, cerca de 80% da população a considera que trata-se de uma luta “justa” (fonte: pesquisa Quaest de maio/2024)! O que prova mais uma vez que a extrema-direita perde para a solidariedade de classe neste debate.
ALERTA: HÁ AGENTES TENTANDO JOGAR ESTUDANTES CONTRA A LUTA DA EDUCAÇÃO
Um fenômeno que tem sido identificado por estudantes pelo país são os grupos bolsonaristas e de extrema-direita que tentam disseminar ideias e discursos para confundir os estudantes e tentar orientar movimentos “anti-greve”. Dizem que “não são de esquerda e nem de direita”, que defendem o “direito de estudar”, tentam deslegitimar a greve federal e suas pautas. Tentam criar uma narrativa de que a greve apenas “prejudica” os estudantes, como se não buscasse uma série de melhorias em toda a educação nacional. E mesmo sabendo que a greve não é considera “abusiva” pela justiça, mesmo sabendo que a greve está em plena negociação com o governo federal e - segundo o artigo 9° da Constituição Federal de 1988 - a greve é um direito dos trabalhadores cujo exercício só pode ser decidido por eles próprios, esses agentes de direita divulgam a fake news de que se os estudantes lutarem muito contra a greve poderão obrigar os trabalhadores a que voltem ao trabalho - como se eles não tivessem o direito legítimo de exigir dignidade e como se devessem ser tratados como “escravos” que devem apenas se calar e trabalhar. Dizem que “não há orçamento” para atender as pautas da greve, o que também não é real. Uma vez que a utilização do orçamento da união é resultado dos planejamentos e decisões políticas do governo federal e prova disso é que já estão sendo propostas pelo próprio governo mudanças nos reajustes destinados a estes servidores.
Estas figuras que disseminam ideias de colocar “todos contra a greve” são provas vivas de que os movimentos contra as lutas de trabalhadores são, na verdade, úteis aos objetivos da extrema-direita de barrar o avanço da educação. Visam confundir pessoas honestas, utilizando de suas legítimas e reais preocupações e medos, no sentido de destruir laços de solidariedade. Neste caso, criar um conflito entre estudantes e trabalhadores. Entre interesses individuais e coletivos. Caminho que em nada ajuda a melhorar a educação e que deságua em um total desperdício de energias.
Afinal, se por um lado é verdade que todos nós estudantes queremos nos formar, concluir nossos respectivos estudos, prestar os vestibulares e disputar vagas em concursos, por outro lado isso não significa que nós não devamos ser solidários nesse momento à luta da educação e de seus trabalhadores. A greve é sempre o último recurso a ser utilizado, já depois de se constatar que as negociações não avançam em nada, como aconteceu com o governo Lula-Alckmin - que só passou a negociar com os trabalhadores após a deflagração dessa greve. Lógico que alguns estudantes querem seu diploma urgentemente para poder trabalhar. Ao mesmo tempo há todo um mundo de estudantes que serão futuros professores e servidores em universidades, institutos federais e colégios federais, que vão querer trabalho digno após pegarem seus “canudos”. Ou seja: a luta é sobre o agora, mas também é sobre o futuro da educação.
Não é razoável aceitar e muito menos contribuir para que estudantes sejam usados por agentes da extrema-direita que, na realidade, só querem atacar o direito de greve e se opor à luta nacional da educação pública. É um tiro no próprio pé do Brasil que estudantes sejam postos contra os trabalhadores que sustentam a rede de educação brasileira. Os estudantes devem refletir e escolher o lado certo. E, sim, há um lado certo: o lado da educação e dos seus trabalhadores. Até porque nenhuma greve dura pra sempre e todas as aulas serão repostas ao final do movimento grevista. Inclusive, para que a greve acabe mais rápido o apoio dos estudantes é muito mais eficaz do que conflitos contra os trabalhadores e contra os próprios estudantes. Ajudar a cobrar que o governo atenda as pautas é muito mais eficaz que se desgastar e indispor com as categorias de educadores de todo o Brasil.
UNIR AS LUTAS E ARRANCAR VITÓRIAS
A hora exige a máxima solidariedade e exercício de consciência de classe. A tarefa dos estudantes neste momento é se unir aos trabalhadores e, junto deles, levantar suas próprias pautas e ir à luta para também terem vitórias. Organizar DCEs, DAs, CAs, Grêmios e o movimento estudantil como um todo. Organizar assembleias de estudantes para irmos à luta ombro a ombro com os nossos professores e os técnicos. Neste momento de disputa pelo futuro, apoiar essa greve federal é também parte da luta contra o discurso alienante anti-ciência, contra o negacionismo da extrema-direita que governou com Bolsonaro e tentou dar um golpe em janeiro de 2023. É parte da justa luta científica por mais Educação, Ciência e Tecnologia, para que haja mais investimentos estratégicas para termos um país soberano, fortalecendo a produção de novos conhecimentos - hojei, inclusive, a produção de ciência brasileira vem em maioria do ensino público, prova de sua excelência em comparação com o ensino privado. A luta contra o “Novo” Ensino Médio, a luta contra o Arcabouço Fiscal, a luta contra a destruição de direitos trabalhistas, etc, é tudo parte de uma luta por uma sociedade menos desigual e cruel com o povo pobre. Tudo se conecta ao mesmo tempo na luta contra as tendências fascistas que nascem do capitalismo.
O único antídoto contra as direitas e o venenoso projeto antipopular que pregam é a luta coletiva, solidária e socialista, buscando distribuir riqueza e construir igualdade substantiva para todos nós. Só a massiva disseminação de valores e da organização coletiva de um projeto de sociedade sem exploração e opressão acabará com essas matérias-primas que alimentam o fascismo.
Neste caminho, a tarefa imediata dos estudantes é cobrar a valorização da educação pra valer. Já chega do governo Lula-Alckmin dar centenas de bilhões ao agronegócio, dezenas de bilhões às polícias e ao poder judiciário, fortunas a bancos e capitalistas - estes que estiveram apoiando tantos ataques e tanta retirada de direitos nos últimos anos. Este governo prometeu que a educação seria “priorizada” e “respeitada”. Mas a realidade é que só a luta muda a vida e será através da luta que garantiremos quaisquer melhorias!
Nossa militância da Revolução Socialista - seção brasileira da Liga Internacional Socialista (LIS) - acredita que é preciso unirmos forças para que possamos arrancar vitórias. Com independência e auto organização diante de qualquer governo. Sabendo que é preciso uma verdadeira revolução na educação brasileira, não apenas as pequenas migalhas oferecidas sob a pressão da greve.
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