Dissecando o repugnante e perverso projeto de Trump
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27/7/2025
Por Peter Solenberger
Donald Trump sancionou sua Lei de Um Grande e Belo Projeto (OBBBA, na sigla em inglês) em 4 de julho, um dia após sua apertada aprovação no Congresso. No Senado, a votação de 1º de julho foi de 51 a 50, com o vice-presidente JD Vance desempatando. Na Câmara, em 3 de julho, a aprovação final foi por 218 votos a 214.
As votações seguiram, em sua maioria, as linhas partidárias: todos os democratas votaram contra; a maioria dos republicanos votou a favor; e uma pequena parcela de republicanos votou contra — alguns pela esquerda, por considerarem os cortes severos demais, outros pela direita, por acharem que o déficit orçamentário é grande demais.
A OBBBA é um plano de impostos e gastos que rouba dos pobres para dar aos ricos. Prorroga os cortes de impostos promulgados pelo primeiro governo Trump em 2017 — que beneficiaram principalmente as corporações e os ricos — e que expirariam no ano que vem. Aumenta os gastos com o aparato militar e a repressão nas fronteiras. E reduz os gastos com o Medicaid, o programa de assistência alimentar SNAP e outros programas voltados à população pobre e trabalhadora; com a saúde pública, ciência, pesquisa e educação; com o meio ambiente; e com a ajuda externa não militar.
A OBBBA provavelmente será a única grande medida legislativa do segundo governo Trump, assim como o orçamento de 2017 foi a única medida legislativa significativa do primeiro. Trump não tem votos suficientes no Congresso para aprovar mais projetos e os republicanos devem perder a maioria na Câmara e, possivelmente, também no Senado nas eleições de meio de mandato no ano que vem.
Sem uma maioria estável no Congresso, Trump tem governado principalmente por meio de ordens executivas. Mas a OBBBA merece ser examinada de perto, pois revela tanto a continuidade da lógica da classe dominante quanto as cruéis inovações de Trump. Mostra o essencial, sem o ruído de seus ataques nas redes sociais.
O orçamento federal antes da OBBBA
O orçamento federal de 2024 foi o último da administração Joe Biden. Ele expressa as prioridades de longo prazo da classe dominante dos EUA. O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), órgão apartidário, elaborou uma ferramenta útil porém enganosa chamada O Orçamento Federal no Ano Fiscal de 2024: Um Infográfico. A tabela a seguir resume suas principais categorias:
Orçamento Federal no Ano Fiscal de 2024:

Para quem não está familiarizado com o orçamento federal dos EUA: os gastos obrigatórios são pagamentos de programas cujos critérios de elegibilidade e fórmulas de benefício são definidos por lei. As verbas para esses programas são automáticas até que a lei seja alterada. Os gastos discricionários, por sua vez, dependem de aprovações específicas dos parlamentares.
A Seguridade Social é o principal sistema público de aposentadoria. O Medicare é o sistema de saúde público para aposentados. O Medicaid é o principal sistema público de saúde baseado em critérios de renda. A “segurança de renda” inclui seguro-desemprego, auxílio por invalidez, apoio a crianças e famílias e assistência alimentar. Os “outros gastos obrigatórios” são, em sua maioria, benefícios para aposentados civis e militares e veteranos.
Os gastos discricionários não relacionados à defesa incluem parte dos benefícios a veteranos, transporte, educação, algumas formas de assistência social, saúde pública, justiça e segurança, relações internacionais, meio ambiente, desenvolvimento regional, ciência e tecnologia, exploração espacial, agricultura, energia e administração pública.
Os gastos com defesa incluem operações, manutenção, pessoal, compras militares e pesquisa e desenvolvimento.
“Juros” refere-se aos pagamentos devidos sobre a dívida pública, descontados os juros que o governo recebe.
Cavando mais fundo
A categoria “defesa” é, evidentemente, enganosa. Os EUA não têm inimigos dos quais precisem se defender. O que essa rubrica representa, na prática, são os custos de manutenção do império estadunidense — os custos do militarismo e da guerra.
Esses custos estão fortemente subestimados no orçamento. Como explicam Gisela Cernadas e John Bellamy Foster em um artigo de novembro de 2023, os “gastos militares reais dos EUA incluem sete categorias adicionais: benefícios a veteranos, seguros de vida de veteranos, outros custos relacionados a veteranos, seguros médicos militares, partes militares do orçamento espacial, repasses a governos estrangeiros e a parcela dos juros da dívida atribuível aos gastos militares”. (Ver: Os gastos militares reais dos EUA chegaram a US$ 1,537 trilhão em 2022 — mais do que o dobro do valor oficialmente declarado, de US$ 765,8 bilhões, para mais detalhes).
A Seguridade Social e o Medicare não faziam parte do orçamento federal até 1968, quando Lyndon Johnson os incluiu para mascarar os custos da Guerra do Vietnã. Esses programas são transferências: os impostos pagos pelos trabalhadores ativos financiam a renda e os cuidados de saúde dos aposentados. Há programas semelhantes para servidores civis e militares.
Os US$ 881 bilhões anuais pagos em juros da dívida são sagrados para os banqueiros — uma grande parte vai diretamente para eles.
Os US$ 1 trilhão anuais em Medicaid e assistência à renda — a “rede de proteção social” — representam o custo que os capitalistas aceitam para evitar o caos econômico e a revolta social que poderiam ocorrer se milhões de trabalhadores não tivessem comida, moradia ou atendimento médico. A maioria das famílias da classe trabalhadora passa por períodos de desemprego, perda de plano de saúde, doenças, invalidez, endividamento e dificuldades econômicas. Muitas vivem toda a vida na pobreza.
Os capitalistas usam a rede de proteção para dividir a classe trabalhadora. Políticos demagogos dizem aos trabalhadores que seus impostos sustentam pessoas “preguiçosas” que não querem trabalhar. Isso é mentira: a maioria das pessoas que recebem assistência social são crianças, pais e mães trabalhadores, pessoas doentes, com deficiência ou idosas. Os benefícios são tão insuficientes que ninguém optaria por viver deles, se tivesse outra opção.
Mas essa mentira sustenta as carreiras de muitos políticos — não só dos republicanos. Os democratas migraram da “guerra contra a pobreza” de Johnson, durante o boom do pós-guerra, para a “Lei de Responsabilidade Pessoal e Oportunidade de Trabalho” de Bill Clinton, de 1996, que cumpriu sua promessa de campanha de “acabar com a assistência social como a conhecemos”.
Depois de todas essas despesas, restam cerca de US$ 700 bilhões para financiar transporte, educação, saúde pública, programas internacionais de alimentação e saúde, meio ambiente, desenvolvimento regional, ciência e tecnologia, espaço, agricultura, energia e administração pública. Esses setores — junto com a rede de proteção social — são os principais alvos da OBBBA.
Efeitos orçamentários da OBBBA
O CBO preparou um relatório detalhado intitulado Efeitos Orçamentários Estimados de uma Emenda com Natureza de Substituto ao H.R. 1, a Lei de Um Grande e Belo Projeto, em Relação à Linha de Base de Janeiro de 2025 do CBO. Alicia Parlapiano, Margot Sanger-Katz, Aatish Bhatia e Josh Katz, do New York Times, analisaram o relatório no artigo Uma Lista de Quase Tudo no Projeto dos Republicanos e Quanto Custaria ou Economizaria. O gráfico a seguir é baseado na análise deles.
Alterações no orçamento ao longo de 10 anos (em trilhões de dólares):

O maior custo da OBBBA, de longe, são as prorrogações dos cortes de impostos de 2017. Somados aos novos cortes de impostos, o custo total é de US$ 5 trilhões ao longo de 10 anos.
Essas prorrogações não diferem do orçamento de Biden, já que os cortes permaneceram em vigor durante todo o seu governo e ele não fez nenhum movimento para revertê-los.
Tampouco o aumento de US$ 150 bilhões nos gastos militares ao longo de 10 anos representa uma mudança. O financiamento das Forças Armadas é um compromisso bipartidário. Os democratas o aumentam com regularidade.
A “inovação” de Trump nos gastos é a adição de US$ 130 bilhões ao longo de 10 anos para a repressão nas fronteiras, ou seja, para aterrorizar imigrantes.
Os cortes de impostos da OBBBA provocarão um grande aumento no déficit federal. Para compensar isso, o plano reduz principalmente os gastos com o Medicaid. Durante sua campanha presidencial de 2024, Trump prometeu não mexer nesse programa. Os cortes podem voltar para assombrá-lo, já que milhões de seus eleitores dependem do Medicaid.
A OBBBA também corta gastos com energia limpa, meio ambiente, empréstimos estudantis, assistência alimentar e saúde pública. Trump alega que essas áreas devem ser responsabilidade dos estados ou do mercado. Isso também pode se voltar contra ele.
Custos humanos
A OBBBA rouba dos pobres e entrega aos ricos. Um relatório do CBO, intitulado Como o H.R. 1, a Lei de Um Grande e Belo Projeto, Afetaria a Distribuição de Recursos Disponíveis para os Lares, aponta o seguinte:
Mudança média anual nos recursos dos lares (2026–2034):

Como em 2017, Trump demagogicamente inclui cortes de impostos para os segmentos superiores da classe trabalhadora. Esses cortes não se comparam aos benefícios destinados ao 12% mais rico, muito menos ao 1% do topo, mas são suficientes para convencer parcelas da classe trabalhadora a apoiar os cortes nos benefícios para os pobres.
Se não forem revertidos por meio da luta, os efeitos humanos desses cortes serão devastadores. O CBO estima que a OBBBA fará com que cerca de 8,6 milhões de pessoas percam o Medicaid. Estima ainda que outras 5 milhões perderão seus planos de saúde com a expiração dos subsídios ampliados do Obamacare, adotados durante a pandemia, e com outras mudanças mantidas pelos democratas.
Catorze milhões de pessoas sem seguro de saúde já seria catastrófico, mas as repercussões internacionais são ainda piores. A OBBBA reduz a ajuda internacional alimentar e médica e confirma a eliminação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Um comunicado da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), publicado em 2 de julho, informa: “Um estudo coassinado por uma pesquisadora da Escola de Saúde Pública Fielding, da UCLA, conclui que os cortes recentes na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) podem levar a mais de 14 milhões de mortes adicionais no mundo até 2030, incluindo mais de 4,5 milhões de crianças menores de 5 anos”.
Capitalismo e trumpismo
A OBBBA expressa, em grande parte, as mesmas prioridades da classe dominante que os orçamentos das administrações anteriores, incluindo a de Biden: gastos com o aparato militar, polícia e prisões, infraestrutura e serviços estatais necessários aos capitalistas, pagamentos de juros sobre a dívida pública e o mínimo de provisão social necessário para manter a reprodução da força de trabalho e garantir sua obediência.
Essas prioridades têm ajudado os capitalistas, há 45 anos, a deslocar renda e riqueza para o topo da pirâmide social, apropriando-se de praticamente todos os ganhos de produtividade do trabalho. Em termos marxistas, trata-se do aumento da taxa de exploração. Ao mesmo tempo, essas políticas dividiram a classe trabalhadora por meio da concorrência: brancos contra negros e latinos, nativos contra imigrantes, homens contra mulheres, heterossexuais contra pessoas LGBTQ+.
As “inovações” de Trump com a OBBBA são: 1) aumentar os gastos com repressão nas fronteiras; 2) reduzir os gastos com Medicaid, energia limpa, meio ambiente, empréstimos estudantis, assistência alimentar e saúde pública. Comparados ao orçamento militar, os valores são relativamente pequenos, mas seus impactos imediatos sobre as populações vulneráveis e seus efeitos duradouros sobre toda a classe trabalhadora — inclusive em escala mundial — serão profundos.
E isso tudo se soma às devastações permanentes do capitalismo: dezenas de milhões de trabalhadoras e trabalhadores desempregados, subempregados, mal pagos, sobrecarregados, desrespeitados, oprimidos por sua raça, nacionalidade, situação migratória ou identidade de gênero; pessoas privadas de direitos democráticos, atingidas por fome, secas, guerras, limpeza étnica e genocídios. Tudo isso tende a se agravar com a escalada das disputas interimperialistas e a intensificação da crise climática.
Resistência e rebelião
A resistência voltou ao patamar do primeiro governo Trump. Ela começou em 2017 com a Marcha das Mulheres, os protestos nos aeroportos contra o banimento de muçulmanos, as mobilizações contra o Oleoduto Dakota Access, a Marcha pela Ciência e a Marcha Popular pelo Clima e continuou com os protestos do Black Lives Matter em 2020.
As eleições de novembro de 2020 praticamente encerraram os protestos, pois o Partido Democrata e as lideranças sindicais e dos movimentos se opuseram a qualquer tipo de mobilização que pudesse atrapalhar a campanha eleitoral do partido e, depois, o governo Biden. “Deixem a política conosco”, diziam os dirigentes partidários, sindicais e dos movimentos.
A falta de enfrentamento ao governo Biden permitiu que os capitalistas seguissem com suas políticas predatórias, desmoralizou a base democrata, deu novo ânimo à base republicana e levou à apertada vitória dos republicanos nas eleições de 2024. Biden se revelou um caminho indireto de volta a Trump.
Trump está fraco. Suas políticas são impopulares. Sua base está se fragmentando. A classe trabalhadora poderia facilmente barrar os ataques aos imigrantes indocumentados e a outras populações vulneráveis. Poderia começar a reverter os estragos acumulados sob administrações democratas e republicanas desde Jimmy Carter e Ronald Reagan.
Em dezembro de 2005, a Câmara de Representantes, controlada pelos republicanos, aprovou o “Ato de Proteção das Fronteiras, Antiterrorismo e Controle da Imigração Ilegal de 2005”, que criminalizaria a ajuda a imigrantes indocumentados. Como a maioria das pessoas latinas tem familiares ou amigas/os indocumentadas/os, o projeto criminalizaria dezenas de milhões de pessoas.
A resposta foi uma explosão de protestos — o mais impressionante foi a Grande Greve Americana de 1º de Maio. Milhões de trabalhadores latinos — com apoio de suas comunidades, sindicatos com forte base latina e amplo respaldo popular — tomaram as ruas de Los Angeles, Chicago, Dallas e outras cidades. Muitos estabelecimentos comerciais decidiram fechar ou foram forçados a isso por falta de mão de obra. Caminhoneiros latinos paralisaram os portos de Los Angeles e Long Beach, recusando-se a transportar mercadorias.
Os republicanos abandonaram o projeto. George W. Bush estava em alta em 2004. O confronto com o movimento imigrante — ponto alto da retomada das lutas — destruiu sua agenda e o transformou em um presidente esvaziado. Barack Obama venceu as eleições seguintes. Para mais detalhes, ver Como a Maior Greve Geral da História dos EUA Reviveu a Classe Trabalhadora no Primeiro de Maio, de Paul Ortiz.
Voltando ao presente: o verão é a estação da agricultura, da construção civil e do turismo em grande parte dos EUA. Imigrantes — inclusive sem documentos — são essenciais nesses setores. Uma nova Grande Greve Americana de uma semana destruiria a agenda de Trump.
A classe trabalhadora dos EUA tolera Trump principalmente porque não vê uma alternativa. Obama não cumpriu sua promessa de “mudança em que se pode acreditar”. Biden se limitou a fazer campanha dizendo que “não é Trump”. Quando Kamala Harris tentou repetir isso, seis milhões de democratas ficaram em casa — e ela perdeu.
Marxistas revolucionários enxergam a alternativa: manifestações de massa, greves, ocupações, autodefesa coletiva, um partido político da classe trabalhadora — e daí por diante. Mas ainda nos faltam números e influência para transformar essa visão em realidade.
Nosso trabalho, por vezes frustrante, por vezes inspirador, é nos somarmos às lutas em curso, ajudar a organizá-las, ampliá-las, radicalizá-las — e explicar pacientemente a necessidade de ir além.
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