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Crise no Rio Grande do Norte

Apenas mais policiais e presídios não resolvem; Direitos Humanos precisa de aplicação na prática



O Rio Grande do Norte vive desde a madrugada de terça-feira (14) um cenário de terror: prédios públicos atacados, veículos queimados, atentados com explosivos e mais de uma centena de presos. A Força Nacional foi chamada para buscar conter a onda de violência e o efetivo federal deve chegar a 500 agentes até este domingo (19). O motivo da insegurança é a insatisfação de detentos com as condições desumanas às quais são submetidos no sistema carcerário potiguar. A resposta do governo Fátima Bezerra (PT) é mais efetivo policial nas ruas, que não vem resolvendo o problema da crise.


Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão federal que realizou inspeções em novembro de 2022 nos presídios do RN, o Estado oferece condições insalubres aos internos, na contramão de condições favoráveis que deveriam dar oportunidade aos presos de realizarem atividades de ressocialização e convívio positivo antes de voltar à sociedade. Ao contrário, recebem “marmitas com comida estragada a ponto de o cheiro provocar náuseas”, “torturas físicas e psicológicas” e “reclusão por mais de trinta dias em celas de castigo”. Há também, de acordo com o constatado pelo MNPCT, presos em tratamento inicial de tuberculose que são usados como vetor de contaminação para castigar outros detentos saudáveis.


Tamanho cenário de violação aos direitos humanos levou a autorização para que atentados fossem cometidos em todo o Estado, da região metropolitana ao interior. Até esta sexta (17) já eram 45 cidades atacadas. No balanço fornecido pela Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed-RN) até às 18h desta segunda (20), eram 139 suspeitos presos e apreensão de 41 armas de fogo, 139 artefatos explosivos, 29 galões de gasolina e outros itens. Os números continuam a subir.


O que fazer


A resposta do governo Fátima tem sido uma só: evitar qualquer tipo de negociação com os detentos. O titular da Sesed, Coronel Araújo, atribui os ataques a reivindicações dos presos “regalias”, afirmando que desejam itens como televisão e visita íntima.


“O Rio Grande do Norte está apenas cumprindo a Lei de Execução Penal no tocante à conduta dentro dos presídios, do regime disciplinar adotado”, afirmou o secretário, ao defender as atuais medidas.


A visita íntima, de fato, é uma reivindicação, segundo a esposa de um detento ouvido pela agência Saiba Mais. O direito concedido a cada interno não é aplicado no Estado desde 2017, quando uma rebelião no presídio de Alcaçuz deixou 27 mortos. Por outro lado, outras medidas são ignoradas pelo governo do RN. A reportagem produzida pela agência conversou com esposas de internos nesta semana, que falaram novamente de casos de torturas, água suja servida aos detentos, comida azeda e a diminuição de dias e horários para as visitas sociais aos familiares. O governo se finge de mudo e se tranca na narrativa de “regalia”.


Nesta segunda (20), mais uma novidade: o ministro da Justiça, Flávio Dino, veio ao Rio Grande do Norte e anunciou investimentos de R$ 100 milhões que vão contemplar mais viaturas, armamentos e até a construção de um novo presídio, além de novas vagas nas atuais unidades prisionais. Mas, até que ponto tais investimentos resolvem o problema? Ou será que apenas mascaram um problema estrutural na condução da política carcerária no Estado, deixando o sistema prisional como uma eterna bomba-relógio?! Oportunismo se levanta


Se o governo do RN parece afundado em gabinetes, à espera do arrefecimento da violência enquanto aposta unicamente na repressão, por outro lado a direita se organiza em torno das deficiências da gestão Fátima Bezerra. A busca, como sempre, é por capitalizar em cima de um desastre social que aflige a população, num problema criado não por nós, mas pelos dirigentes da burguesia.


O deputado federal Sargento Gonçalves (PL), por exemplo, protocolou um pedido de impeachment contra a governadora. O senador Styvenson Valentim (PODE) solicitou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o envio das Forças Armadas ao RN e a aplicação da lei da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - realizadas exclusivamente por ordem expressa da Presidência em nos casos em que há esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em situações graves de perturbação da ordem. A GLO chegou a ser reivindicada pelo ex-presidente Bolsonaro durante seu governo.


Já o deputado estadual Coronel Azevedo (PL) se aproveita também dos ataques para desferir ofensas reacionárias contra o PT e seus parlamentares, saindo em defesa da Polícia Militar. Foi Azevedo que, enquanto comandante da PM durante o massacre de Alcaçuz em 2017, negociou diretamente com as facções, foi desautorizado pelo ex-governador Robinson Faria e hoje posa de voz feroz contra a criminalidade.


Frente ao cenário de disputas, os socialistas têm uma posição: não confiamos no uso da força repressiva do Estado para tentar resolver problemas que não têm solução com mais violência. Também não vemos nos ataques orquestrados pela facção Sindicato do Crime - que domina o RN - uma resposta positiva à ausência do Estado.


Não é possível que a crise da segurança seja jogada sobre os corpos e vidas da classe trabalhadora, agora desprovida de transporte público (já sucateado e insuficiente), unidades de saúde sem funcionamento e aulas interrompidas. Crimes destas magnitudes são crimes e merecem ser combatidos mas, como já dito, a aposta unicamente em mais policiais, armas e veículos impedem a resolução dos problemas e mantêm o sistema carcerário em uma bomba-relógio, prestes a explodir tal como Alcaçuz 2017 e tantos outros.


Da mesma forma, não depositamos nenhuma confiança na extrema-direita que surfa sobre a crise para pagar de defensores da nossa classe - do povo pobre, oprimido e explorado - mas que também vê no encarceramento em massa e na falta de futuro para a juventude pobre e periférica uma solução para a violência.


Precisamos, sim, de mais estrutura, mas direcionada aos lugares certos: programas de ressocialização nas unidades prisionais que apostem na educação e no trabalho como fator determinante de vida; comida e água de qualidade, respeito aos direitos previstos em lei concedidos aos internos, inclusive com a regularização das visitas para que tenham fácil acesso a familiares - esposas, pais, filhos- enquanto tentam sobreviver num local já degradado.


À população, cabe a formação de comitês ou conselhos de auto organização nos bairros, para que seja a vizinhança quem decida prioridades e formas de cuidados frente a segurança pública. Como também que os comandos das polícias sejam eleitos pelo voto popular e destituídos quando protagonizarem fatos de corrupção ou qualquer outro contra o povo.


Não vemos a crise na segurança como um problema de fácil resolução. Nesta história, não existem santos ou demônios. Existem seres humanos. Os investimentos em qualidade de vida nas prisões não irão transformar o Rio Grande do Norte ou o Brasil em um céu, mas certamente melhorará os índices de sucesso na ressocialização. É apostar nisso, e seguir o exemplo positivo de outros países, ou acreditar na já malfadada repressão, fracassada no Brasil há centenas de anos e sem qualquer perspectiva de resolução estrutural. Governadora Fátima, você manterá sua aposta?



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