Por Modesto Neto – Direção da Revolução Socialista e Professor de História do JK (Açu/RN).
O golpe militar de 1964 no Brasil completa 60 anos neste 31 de março. Mesmo superado o capítulo mais trágico de nossa história recente em 1985, enquanto nação não acertamos as contas com nosso passado marcado por graves violações aos direitos humanos. Desse período nebuloso herdamos um entulho autoritário que ainda permeia o funcionamento da sociedade e suas instituições.
A Ditadura Militar no Brasil depôs um presidente, lançou ao exílio o melhor da intelectualidade do período, assassinou e desapareceu com brasileiros e brasileiras, fez da tortura uma política de governo e dos quarteis draconianas máquinas de moer gente, promoveu 40 mil prisões arbitrárias somente em 1964, censurou a imprensa e parcela dos artistas. Nestes 21 anos de ditadura o Brasil incorporou o pior da tradição autoritária que ainda se perpetua.
Diferente de outras experiências de conquistas democráticas após regimes autoritários, como na Argentina e Chile, onde se estabeleceu a punição aos torturadores e uma política de memória às pessoas que tiveram direitos humanos violados. No Brasil, a transição democrática pactuada entre as elites salvaguardou a anistia política aos torturadores e pouco se avançou na demanda por justiça, memória e verdade.
O golpe que depôs João Goulart da Presidência foi uma derrota momentânea para a classe trabalhadora brasileira. Jango era um conciliador, mas era ladeado por um movimento social organizado (entre eles o operário e o estudantil) que exigiam reformas e empurrava o próprio governo à esquerda. Era uma base social não fisiológica, mais fiel as suas reivindicações do que as vantagens de aparatos. Esse setor foi politicamente derrotado e, em seguida, trucidado pelo terrorismo de Estado das Forças Armadas.
Ainda é imperativo tirar lições do que foi o golpe para pensar nos desafios da construção de uma democracia real no Brasil. Se impõe contra nós uma herança autoritária que não foi enfrentada pelo progressismo. É verdade que no Governo Dilma Rousseff se fez uma Comissão da Verdade que reconheceu graves violações, identificou autorias, centros de tortura e pessoas envolvidas, mas também é verdade que nenhum militar foi punido neste país.
O pacto da impunidade entre militares e as elites precisa ser enfrentado. Hoje, exigir que os golpistas do 8 de janeiro não tenham anistia é um passo para pôr um fim na tradição de impunidade. É preciso acabar definitivamente o genocídio da juventude pobre e negra das periferias. Uma barbárie que precisa de um fim. Necessário quebrar o pacto covarde do silêncio que o governo ecoa sobre os 60 anos do golpe. Sem esses passos qualquer democracia será letra morta.
Se Lula deseja que o Brasil construa a democracia real é preciso agir no presente e proteger as terras indígenas na guerra contra o garimpo ilegal e o agronegócio. A Ditadura expropriou 2 milhões de quilômetros com a remoção forçada de 29 etnias indígenas entre 1971-1977. Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo menos 8.350 indígenas morreram pela violência do Estado entre 1946 e 1988. Os indígenas continuam sofrendo hoje.
Esses são os principais desafios para a construção de uma democracia dos de baixo. O progressismo nunca enfrentou de frente tais desafios e a realidade histórica nos mostra que, sem uma classe trabalhadora organizada, consciente e disposta a lutar, a democracia sempre será a democracia burguesa.
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