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Crise Yanomami, um genocídio perpetrado por um governo de extrema direita, com apoio dos militares

Por Marcela Gottschald


Recentemente foram divulgadas imagens do que vem sendo considerada a maior crise que atinge por um grupo indígena, os Yanomamis, desde a redemocratização do Brasil. Nelas podemos ver pessoas, principalmente crianças, em um quadro que durante muito tempo pensávamos que não existia mais no Brasil: a desnutrição extrema.


Aliado a isso, a divulgação do número de mortes também assusta, pois durante o governo Bolsonaro cerca de 570 crianças Yanomamis perderam a vida para problemas que, com o suporte adequado, são facilmente tratáveis, como a desnutrição, malária e infecções respiratórias.


Mas a crise Yanomami não é algo novo, embora seja visível o seu agravamento durante os 4 anos do governo Bolsonaro. Essa crise é um verdadeiro projeto militar, e remonta à ditadura que arrasou o país nas décadas de 1960, 1970 e 1980, mostrando que houve um esforço consciente para que a situação chegasse a tal ponto.


Não foi omissão. Não foi esquecimento. A crise Yanomami foi um projeto. Algo desenvolvido para eliminar aqueles que vivem e protegem a floresta amazônica da fúria destrutiva do capitalismo.


Os Yanomami e seu território


Os Yanomami são um povo com pouco contato com a chamada civilização ocidental, com alguns grupos ainda vivendo em total isolamento. Eles vivem no norte da Amazônia brasileira, nos estados do Amazonas e Roraima, em um território que compreende ambos os lados da fronteira com a Venezuela.


Seu contato com não-indígenas, antes esporádico, se intensificou durante a ditadura militar de 1964, quando prevalecia o lema “índio integrado é aquele que se converte em mão de obra”, e de lá pra cá houveram períodos variados de crise. Sempre tendo dois agentes em comum: militares e garimpeiros.


No subsolo das terras Yanomami se encontram numerosos metais, incluindo ouro. Esse fato, ao ser descoberto, atraiu garimpeiros de diferentes localidades, em uma nova “corrida do ouro”, e colocou um alvo sobre a cabeça de todo e qualquer indígena que se pudesse no caminho deste metal.


Mas, com a demarcação da TI Yanomami, ainda na década de 1990, e com operações sistemáticas para a retirada de garimpeiros do local, a situação foi amenizada. Ao menos momentaneamente.


Este momento de relativa calmaria durou muito pouco, e a quantidade de garimpeiros na região voltou a aumentar e novas invasões a ocorrer. Estima-se que durante os últimos quatro anos a quantidade de garimpeiros nas terras Yanomami ultrapassou 20 mil, número próximo ao total de indígenas desta etnia.


O garimpo e o papel dos militares


Sendo um território demarcado e uma área de floresta importante para o clima planetário, mineradoras “legais” não podem destruir o local em busca do ouro. Resta então aos garimpeiros ilegais a tarefa de desmatar, destruir, contaminar e assassinar.


E para burlar a legislação e viabilizar o garimpo ilegal, o Exército, como braço armado do governo que deveria proteger o território, atuou em vários momentos a favor do garimpo. Aliado a isso, durante o governo Bolsonaro, os ministros de estado atuaram na tentativa de auxiliar no processo de extração do ouro, seja na forma de concessões legais ou de passividade na fiscalização.


Outro ator importante nesse processo foi o ex-vice-presidente e general Hamilton Mourão, que por três anos presidiu o Conselho Nacional da Amazônia Legal, órgão que tem como objetivo “coordenar e integrar os esforços federais pela preservação, proteção, desenvolvimento da Amazônia brasileira”. No entanto, Mourão nomeou militares de sua confiança para assumir cargos estratégicos, e juntos trabalharam para intensificar e legalizar o garimpo nas terras indígenas, contribuindo enormemente para a situação calamitosa que agora enfrentamos.


Em simultâneo, vários cargos em órgãos públicos que historicamente protegem a floresta e os povos indígenas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), foram ocupados por militares. Dessa forma, toda a rede estatal de proteção aos povos indígenas e à Amazônia ficou, total ou parcialmente, sob o comando das forças armadas.


E temos ainda que lembrar que o garimpo, além de destruir a floresta e contaminar os rios com o uso de mercúrio, impõe outros terrores à população indígena: eles afastam a caça, levam álcool e outras drogas para os jovens, recrutam homens para seus projetos e violentam mulheres e crianças.


O agravamento da crise


Além dos impactos diretos e indiretos do garimpo, em 2020 iniciou-se o período de pandemia de COVID-19, uma doença que atingiu desproporcionalmente grupos minoritários, em os especial indígenas.


Por serem mais vulneráveis a doenças infecciosas, como a COVID, indígenas são considerados um grupo de risco, exigindo um maior cuidado tanto na prevenção de casos quanto no tratamento. Isso é ainda mais crítico quando falamos de indígenas que vivem em total ou relativo isolamento, como é o caso de boa parte da população Yanomami.


No entanto, durante a pandemia houve uma negligência intencional por parte do governo, que chegou ao ponto de negar o abastecimento de água potável e a disponibilização de leitos de UTI para a população indígena. A mesma negligência intencional pôde ser vista quando o governo ignorou as dezenas de pedidos de auxílio, seja para o manejo de casos de doenças infectocontagiosas, ou para a desnutrição.


O resultado de tudo isso pode ser visto hoje.


O que está sendo feito?


Com a divulgação massiva da situação dos Yanomami, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou a Roraima, juntamente com a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara, da Saúde, Nísia Trindade, dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, entre outros, para avaliar e dar início a um plano de ação.


Indígenas em situação de saúde mais precária foram transportados para hospitais para receber tratamento adequado, cestas básicas foram disponibilizadas e profissionais de saúde foram recrutados para o atendimento emergencial dessa população.


Aliado a isso, se “firmou” o compromisso de atuar de forma incisiva e constante para resolver as causas do problema, que, no entanto, são múltiplas e de complexa resolução. Algumas das medidas que, de acordo com o atual governo, serão implementadas são:

  • Reabertura de postos de apoio da Funai e de Unidades Básicas de Saúde;

  • Convocação de profissionais para trabalhar na região;

  • Restrição do acesso ao território Yanomami, para reduzir o risco de transmissão de doenças;

  • Remoção dos garimpeiros ilegais, bem como a destruição do maquinário utilizado no garimpo.

Não sabemos quais medidas de longo prazo serão realmente implementadas, nem o impacto que as ações de mitigação terão no cenário atual. O que sabemos é que os empresários ligados ao garimpo ilegal não vão deixar as terras indígenas sem a intervenção do Estado, e que este não pode baixar a cabeça para o poder do capital, caso contrário, cenas como as que vimos voltarão a se repetir e a Amazônia continuará a ser devastada, agravando ainda mais a crise ecológica na qual nos encontramos.


Tendo em vista a situação já crônica de vulnerabilidade e das constantes agressões que a população Yanomami vem sofrendo, bem como outras etnias indígenas, é de extrema importância o seguimento das ações para assegurar que as medidas propostas sejam adequadas à gravidade do quadro e que sejam realmente implementadas, incluindo aquelas que possuem impacto econômico em empresas ligadas ao garimpo ilegal.


Além disso, é necessário identificar e punir todos aqueles que de beneficiam da extração de ouro das terras Yanomami, uma vez que se trata de uma prática sabidamente ilegal e criminosa.

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